sexta-feira, 9 de abril de 2010

A BANDA E A LARANJA

Reza a lenda que, numa noite daquelas, Marinho Chagas estacionou seu Mustang em frente ao Antônio´s, bar carioca onde se reunia a intelectualidade da época. Da turma do Pasquim à da Bossa Nova passando por artistas de outras áreas. Entrou e deu de cara com Chico Buarque de Holanda. Do encontro, deu-se o seguinte diálogo:

Ô de Holanda, canta ‘A Banda’ aí...

- Marinho, só se você fizer umas embaixadinhas...

Conhecido na área, Marinho gritou para o espanhol, dono do bar:

Ô Manolo, traz uma laranja aí!

E na frente de toda aquela gente, Marinho jogou a laranja para cima e, sabe-se lá em que tom o ‘de Holanda’ viu a banda passar...


Mais sobre Marinho Chagas, incluindo a incrível história das caveiras que desciam rolando da ladeira da bosta, na edição de domingo do NOVO JORNAL.

Até!

quarta-feira, 7 de abril de 2010

O CALDO DE OVA E AS HISTÓRIAS DA DONA VERA

Uma amiga já havia cantado a pedra sobre a jóia que era o caldo de ova da cantina do Ednaldo, em Petrópolis. O desejo, guardado por vários dias, era grande. Particularmente para mim seriam duas descobertas: a do boteco e a do próprio tira-gosto. Enfim, saiu. Segunda-feira, final de mais um expediente pesado no jornal, lá fomos atrás do famoso caldinho.

Coisa de 22h. À noite, Petrópolis é um bairro tímido e silencioso. Segunda-feira, então, nem se fala. De esquina, o portão de ferro que dava para a avenida Afonso Pena já estava arriado. Na lateral, duas senhoras com mais de 60 anos ainda empilhavam mesas e cadeiras na tentativa de passar a régua em mais um dia de trabalho.

- Ainda sai um caldinho?

Sai, minha filha. Do que você quer?

- De ova...

Pedido atendido com aquela boa vontade que só quem comanda um botequim de verdade há 35 anos, como a dona Vera Lúcia, tem.

E assim que a primeira Antarctica desceu gelada na garganta, os problemas foram se esvaindo aos poucos em cada gole bem tomado e temperado pelo limãozinho despejado no caldinho de ouro da casa.

Dentro do botequim, a prateleira de madeira velha com poucas garrafas mais vazias que cheias, um tradicional balcão pequeno rachado e as fotografias nas paredes de clientes antigos lembravam que, além de boteco, a cantina do Ednaldo é um ambiente de família.

Mas ainda faltavam as histórias. E em questão de minutos, um cardápio de causos foi servido à mesa pela proprietária do estabelecimento que puxou a cadeira amarela e se empolgou a contar a vida. Dona Vera Lúcia falou dos fregueses mais chatos, de um seresteiro que baixa sempre por ali, da polêmica Nélia, que enche a cara toda vez que vai ao botequim e sai provocando tudo quanto é cliente, lembrou do marido, que se formou advogado com mais de 40 anos e morreu de forma trágica no carnaval de 1984 quando um ônibus atropelou músicos e foliões do bloco ‘Puxa-Saco’ na descida da avenida Rio Branco. E depois de tudo isso, ainda deixou o melhor para o final.

Com a autoridade de mais de 35 anos no ramo, embora o bar no início tenha funcionado como depósito de pão, dona Vera revelou que já recebeu várias propostas de empresários para vender o estabelecimento e negou todas. Contou que ainda fará mais uma reforma nos banheiros e decidiu que vai deixar o ponto, como herança, para os filhos.

Um patrimônio de verdade, digno da instituição chamada botequim.

Vida longa à cantina do Ednaldo!

Até!