sexta-feira, 20 de março de 2009

A VOZ DA EXPERIÊNCIA

Quem passeia por esse meio da rua aqui há um bom tempo deve se lembrar do seo Arnaldo. Uma figuraça que vai caminhando com o tempo contando de trás para frente os anos idos e vividos neste Centro Histórico. Seo Arnaldo andou distante da rua onde moro, mas resolveu aparecer ainda agora, coisa de 5 da tarde, com o mesmo rádio preto estacionado, quem sabe, na primeira freqüência que pegou na vida. De vez em quando esbarro com ele no meio da rua, mas a pressa me impede de fazer as devidas apresentações.

Acontece que seo Arnaldo é dessas fontes de estórias inesgotáveis que dispensa qualquer cerimônia. Eis o motivo de mais essa acontecência: estávamos, segunda-feira passada, eu e Ana, escolhendo uma peça de carne de sol no açougue do Nordestão, aqui perto no Tirol. Olha daqui, escolhe dali, reconheço uma voz vindo de trás do refrigerador prostrado no meio do salão do mercado. Levanto a vista e dou de cara com o seo Arnaldo mordendo um suculento pão de mel. Parece filme antigo, mas é a mais pura verdade. Mesmo tentando disfarçar, esqueci da carne e parei o ouvido no diálogo que ele travava com o açougueiro. Os dois pareciam velhos conhecidos. Arrisco dizer que, no Centro, só quem não conhece seo Arnaldo somos eu e Ana. Mas vamos em frente.

Com a mesma sutileza e elegância da cantada que passou na coroa num início de tarde pelas bandas do Beco da Lama, motivo que o trouxe até a esse Meio da Rua, seo Arnaldo olha o açougueiro no olho e pergunta:

- Você acha que eu devo casar ou comprar uma moto?

Desprevenido e constrangido com a confiança depositada em sua pessoa, o rapaz apenas ri. A pergunta, óbvio, era retórica. E replicou a Voz da Experiência:

- Vou comprar uma moto. Dinheiro hoje não é fácil, não.

Depois dessa aula de economia em tempos de crise mundial, pegamos duas caixinhas de cerveja na prateleira e fomos para o caixa com mais uma história maravilhosa de seo Arnaldo para a posteridade. Da próxima vez, prometo que trago uma foto dessa grande figura.

quarta-feira, 18 de março de 2009

TERREIRO DO SAMBA



Se há alguma alma cretina por essas bandas que ainda acredite na balela de que o samba é um finado moribundo, precisa dar uma passadinha, aos sábados, no Espaço do Samba, um casarão fincado na subida da Avenida Rio Branco, no Centro, onde baixam, sempre a partir das 18h, monstros sagrados da música mais popular e brasileira dessa Aquarela tupiniquim.

O sujeito paga 5 pratas e se deleita com um repertório recheado de craques do nível de Cartola, João Nogueira, Silas de Oliveira, Noel Rosa, Monarco, Paulo César Pinheiro, Roberto Ribeiro, Paulinho da Viola, Jorge Aragão e outros gênios.

Os pais da idéia, claro, são os meninos do Arquivo Vivo, uma turma já apresentada em verso e prosa aqui nesse Meio da Rua responsável, hoje, pela roda de samba mais honesta e autêntica dessa cidade. O esquema funciona assim: todos os sábados, o Arquivo convida um grupo que tenha um repertório enraizado na trajetória do samba e faz o mafuá no final. O samba come solto até às 23h e uns quebrados. Já passaram pelo crivo da rapaziada o Samba Erudito, que, para mim, só não ficou devendo pela participação do compositor Ivando Monte cantando um belo repertório próprio, e o Pra Chatear, que trouxe para roda o cavaquinista Joel do cavaco. Não tem como o samba morrer desse jeito.

Casa
A estrutura da casa faz jus ao prato principal das noites de sábado. Palco pequeno, banheiros limpos, dois bares diferentes para evitar filas e um público cativo animado. Ao proprietário do estabelecimento, uma crítica (o som ainda pode melhorar) e uma súplica: por mais que a cerveja venha gelada, o latão de Nova Skin ou uma garrafa de Bavaria a 3 reais é demais para o bolso de um jornalista. Vamos baixar o preço da cerveja aí, meu camarada!

No mais, só aparecendo por lá para conferir. Quem sabe, no dia em que você pintar na casa, a Boluca, a melhor intérprete de samba que eu já vi cantar ao vivo, dê uma canja como a do último sábado. Durou pouco, foi um samba só. Mas eu garanto que se você der essa sorte até o latão de Nova Skin a 3 pratas (que o dono do casa não me ouça!) vai passar indiferente.

terça-feira, 17 de março de 2009

PORQUE ANDRADE É ANDRADE E BRUNO É BRUNO

Ainda dói. Até pelas circunstâncias de como tudo aconteceu. Goleamos o fraquíssimo América do México, em Guadalajara, por 4 a 2, numa noite de quarta-feira, levantamos o Bi-Campeonato Carioca no domingo seguinte num histórico 3 a 0 contra o Botafogo e, já na quarta-feira subseqüente, uma tragédia de quase 100 quilos despencou sobre nós. Cabanãs, Cabanãs, Cabanãs. Esse era o nome pregado na boca de vascaínos, botafoguenses e tricolores depois que o balofo paraguaio nos desmoralizou em pleno Maracanã. Nunca havíamos tomado três pedradas de um time gringo em toda a gloriosa e centenária história rubro-negra. De pronto, inventaram um apelido que resumisse numa única palavra a soberba, o salto alto e a arrogância: Cabanãs. Bruno estava lá como um dos personagens dessa pornochanchada à paraguaia



As derrotas do Santos, também eliminado pelo peso do balofo na mesma Libertadores, e da Seleção Brasileira, outro time que sentiu o poder dos quase 100 quilos da baleia paraguaia nas Eliminatórias, não tiveram 1% da repercussão da lamentável e humilhante derrota.

Típica derrota que não tem volta. Nem se goleássemos o mesmíssimo América do México, com o pesado Cabanãs se arrastando em campo, seríamos vingados. É coisa para daqui até a eternidade.

No Brasileiro do ano passado, outro 3 a 0, dessa vez contra um Atlético Mineiro caindo pelas tabelas e diante de quase 80 mil pessoas. Era 11 de outubro de 2008 e Cartola, tricolor dos bons, completava 100 anos. Dessa vez, os deuses do samba foram impiedosos e mais um 3 a 0, de tristíssimas recordações, aconteceu no maior do mundo. Bruno estava lá, como um dos personagens de mais um filme grotesco rubro-negro.

Na recente semifinal da taça Guanabara, com Bruno e quase todos os jogadores que, junto com ele, vem fazendo parte das páginas mais tenebrosas da história contemporânea do meu Flamengo, outra sapecada de três. Dessa vez, contra o modestíssimo time do Rezende, que até começar o Carioca, para mim era marca de lingüiça.




Pois bem. Esse pequeno histórico tragicômico que vocês leram até aqui me veio a tona assim que Bruno, do alto de sua importância para a história do meu Flamengo, deu de xingar o Andrade, carregador de piano do maior time da história gloriosa e centenária do Clube de Regatas Flamengo. Balbuciou o Bruno, num rachão, que o Andrade não havia ganho nada como técnico de futebol. O Bruno é mais ou menos o que Nelson Rodrigues definiu como o idiota da objetividade. Alguém disse para o goleiro que Andrade nunca foi campeão como técnico e, para ele, que não deve saber cantar nem o hino do Flamengo, foi na onda.




Se não bastasse tanta categoria para o maestro de um meio-campo que tinha o Zico, lá estava o Andrade no primeiro time rubro-negro que me lembro de ter visto jogar. Era 1987, Copa União, e levantamos o quarto caneco brasileiro. Para mim, com 8 anos de idade, começava ali uma história de amor, vitórias, decepções e tragédias. Mas, sem dúvida nenhuma, uma história de amor.

Para calar a boca do Bruno, eu podia terminar por aqui. Já bastava. Mas não. Como essa gente burra, cretina e idiota, há que se concluir o serviço. E é por isso que divido com vocês uma das vitórias mais consagradoras da história do verdadeiro Flamengo. Meu pai, grande rubro-negro e a quem eu devo a honra de amar o manto sagrado, já me contou essa saga várias vezes. Os mais antigos que me lêem agora devem lembrar do mais famoso duelo com o Botafogo.

Num jogo inesquecível para os Botafoguenses, dia 15 de novembro de 1972, o time da estrela solitária enfiou um sonoro 6 a 0 no Flamengo (três em cada tempo), com um show de Jairzinho. A partida valia pelo Campeonato Brasileiro. Meu pai lembra como se fosse hoje:

- Ninguém podia sair na rua depois daquele 6 a 0 porque que aparecia sempre um botafoguense para sacanear. Às vezes não tinha nada a ver com o assunto, mas tinha sempre um para falar: não quero saber, é 6 a 0.

A gozação, no entanto, durou quase uma década.

Isso porque no Campeonato Estadual de 1981, dia 8 de novembro, a vingança veio na conta do chá. Os dois times já haviam disputado duas partidas. A primeira ficou no 0 a 0 e a segunda foi da cachorrada. Faltava um jogo. O Botafogo vinha com o eterno pereba Perivaldo e Jairzinho, como único remanescente daquela fatídico 6 a 0. Aos 7 minutos, Nunes abriu o placar. Zico ampliou aos 27. Lico fez o terceiro aos 33 e Adílio, aos 40 minutos, fechou o primeiro tempo com o Botafogo, literalmente, de quatro em campo.

A essa altura, a Nação, maioria entre os 69 mil torcedores do Maraca, já imaginava a forra. Faltava pouco. O segundo tempo começou com a festa rubro-negra nas arquibancadas, mas gol mesmo só aos 30 minutos com o Galinho. Era a senha. A vingança estava próxima. Mais um. Bola para cá, bola para lá e nada de gol. A galera rubro-negra pedia “mais um!” Mais um!” e “mais um!” num Maraca insandecido. Era agora ou nunca. Até que aos 43 minutos, a bola sobe cruzada na área e a zaga do Botafogo corta mal. Acredito eu que, naquele instante, deva ter acontecido os primeiros três segundos de silêncio da história do futebol. Como um trator, Andrade, esse mesmo que a porra do Bruno (quem é Bruno, meu Deus!?) ofendeu, veio flanando e meteu um balaço no gol do Paulo Sérgio. Não preciso dizer que o estádio Mário Filho, grande rubro-negro que dá nome ao Maior do Mundo, veio abaixo. E, a partir daquele dia, toda vez que um Botafoguense ameaçava abrir a boca, passou a ver duas mãos rubro-negras estendidas simbolizando um histórico e homérico SEIS A ZERO.




Esse é a importância do Andrade e do Bruno para a história do Clube de Regatas Flamengo.

domingo, 15 de março de 2009

NEVOEIRO À VISTA

O trabalho diário tem me tomado um tempo danado nas últimas semanas. E as mudanças recentes que fizemos no escritório devem aumentar ainda mais a carga de serviço daqui para a frente. Isso, na verdade, tem me custado um precioso tempo para correr atrás de projetos pessoais, e podem incluir aí o nosso Meio da Rua. No fundo, quando comecei com essa história temia que, cedo ou tarde, isso pudesse acontecer. Até porque é chato pra burro acessar um blog e dar de cara com um texto antigo de duas, três semanas. Então ficamos combinados assim. Voltarei a acelerar aos poucos e seguindo à risca as coordenadas do nosso comandante Paulinho da Viola. Vou como o velho marinheiro, que durante o nevoeiro, leva o barco devagar.