sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

ESTÁTUA

O fim do ano chega feito vendaval e a certeza de que em 2009 invado de peito aberto a casa dos 30 assusta. Outro dia, conversando com o fotógrafo Argemiro Lima sobre a crueldade do tempo ouvi o que considero um dos maiores ensinamentos sobre o assunto. Argemiro, para quem não sabe, é uma espécie de ícone das redações de Natal e cedo ou tarde aparecerá aqui pelo Meio da Rua.

Mas dizia eu, na inocência dos meus poucos anos vividos se comparado aos dele, que você sabe quando está ficando velho quando começa a lembrar de coisas que aconteceram dez anos atrás. Falei com uma pretensa autoridade que, perto do Argemiro, não tenho. E isso ficou claro quando ele olhou para mim com cara de reprovação e soltou a pérola:

- Não é não. Você sabe quando está ficando velho quando começa a ver que os caras
com quem você conviveu viraram estátua.

Embasbacado com a violência certeira do pensamento que acabara de ouvir, sorri um sorriso sem graça e, juro, quase virei estátua.

quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

FURO DE REPORTAGEM



Cheguei há pouco do bar de Nazaré. E, evidentemente, trago novidades. A AMBEV ouviu as preces e viu os despachos do Paulinho e resolveu trazer, depois de milhares de pedidos e reclamações, um novo freezer de gela. Isso significa que o buteco chegará às 18h com cerveja gelada à rodo a partir de agora. Essa, pelo menos, é a promessa do proprietário do estabelecimento.

- Pode avisar para a Aninha que ela nunca mais vai reclamar de que as 6 horas da noite não tem mais cerveja gelada, me disse o Paulinho, sentado na mesa 2 do bar, tomando uma skol geladíssima.

O presente de natal chegou ontem, leva a marca da Antárctica e será o ninho de Antarcticas, Brahmas e Bohemias. O outro freezer, agora velho, dará vida à milhares de skols que, sem dúvida alguma, serão derrubadas, uma a uma, no ritmo dos botequins.

Como vocês podem ver, um autêntico furo de reportagem.

A ORIGEM DO MEIO DA RUA




Como contei ontem, a noite de terça-feira foi atípica. Antes de embarcar para o Rio de Janeiro, onde passarão as festas de final de ano, meus tios organizaram uma espécie de “ceia-natalina-fora-época” para a família e alguns amigos. Com direito a panetone, peru, salada, frutas, enfim, um cardápio completo. Na fila dos bebes, cerveja, vinho, suco e coca-cola fizeram a alegria da turma. O som começou com Noel, passeou por João Gilberto e finalizou com Demônios da Garoa. Como vocês pode notar, uma senhora noite.

E quando se reúne parentes, principalmente aqueles que você não vê há muito tempo, como era o caso do Jônatas, meu primo e hoje pai do Francisco, noites como essa são regadas a histórias. No nosso caso, ainda na casa dos 20, histórias de um passado nem tão distante assim. O problema é quando a mãe entra na jogada e a alegria de relembrar antigamente vira constrangimento. Confesso que fui uma criança cruel.

Minha felicidade ia desde desligar escadas rolantes em shoppings para ver a galera balançar com o solavanco, até cagar na frente de uma loja de fliperama enquanto meu pai discutia com o dono do estabelecimento porque o pilantra não queria devolver a ficha que a máquina tinha engolido. Por sinal, sinto o orgulho que meu pai tem de mim toda vez que ele conta essa história:

- Quando vi a merda, olhei para o cara e disse que não precisava mais da ficha. Já estava pago, frisa sempre no fim da história.

E modéstia à parte, fui protagonista de histórias tão cruéis quando criança que se meu herdeiro vier só com a fama do pai as estruturas da Terra estarão seriamente comprometidas.

Mas o melhor da noite, motivo maior dessa crônica, foi guardado para o fim. Descobri que a origem deste Blog e a verdadeira adoração que tenho pelas histórias e os personagens que habitam o Meio da Rua vem de berço.

Como uma espécie de grand finale, a saideira não poderia ter sido mais gelada. Família calada e atenta, minha amada mãe emenda:

- Todo mundo esperava que a primeira palavra que o Rafael fosse falar era mamãe ou papai. Mas sabe o que foi que ele disse a primeira vez?

Chutei Mengo tentando disfarçar a tensão. Mas a resposta veio como um gole de Skol bem tomado na cigarreira do seo Pedrinho, em Morro Branco:

- Mengo nada. A primeira coisa que você disse foi RUA!

Como vocês vêem, para tudo tem explicação.

quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

PELO TELEFONE


Às 8h da noite de ontem toca o meu celular. No visor, aparece o nome do Armando. Deduzo e imagino, antes de atender, a cena: Armando sentado na mesa do 1 do bar de Nazaré, aquela branca encostada na parede ao lado do portão de ferro do buteco. Discutindo com ele, em outra mesa, Fábio Athaíde, agora avô. Na mesma imagem, que durou segundos até que eu atendesse o telefone, ainda tinha o Paulinho levando cerveja de mesa em mesa e, claro, discordando dos dois. Um ou dois sujeitos no balcão. Uma gritaria geral.

Levei o aparelho ao ouvido e, antes de qualquer coisa, tratei de confirmar o óbvio:

- Tá em Nazaré?

A resposta veio, como eu imaginava, rebocada por um convite:

- Tô, mas já estou de saída. A menos que você esteja chegando.

Eu tinha acabado de chegar à casa de um tio, que mora no Tirol e organizou um bota-fora antes de embarcar de férias para o Rio. Família reunida, fiquei impossibilitado de sair. Expliquei, Armando entendeu e contou o real motivo da ligação:

- Olha, eu estou aqui com o Fábio e o Paulinho...

Eu, rindo, revia a cena. Ele continuou:

- Estão dizendo que aquela Travessa é do Cruzeiro, e não do Tesouro, como você falou. Essa mesma travessa que vai dar na praça João Maria.

Visualizei, como vocês podem notar, toda a cena que acontecia no bar de Nazaré naquele instante. E já deveria ter imaginado, também, o motivo do debate. A polêmica do nome da Travessa começou na sexta-feira passada na roda de samba comandada pelo Arquivo Vivo em frente ao bar de Fátima. Alguém que não lembro me disse que o nome do trecho que vai do bar da Fátima, entre Nazaré e a Assembléia Legislativa, até a praça João Maria era conhecido como Travessa do Tesouro. E quando o Vinícius, do banjo, pediu uma sugestão de um nome que virasse referência para a roda, contei a história e pensei em “Roda de Samba da Travessa do Tesouro”.

Esse imbróglio todo eu já contei ontem, no texto “Travessa do Samba”. E lembrei também da figura do Bené, grande polemista, que afirmou que em 40 anos de Beco da Lama nunca ouviu falar na tal Travessa do Tesouro.

Pois bem. Mas ainda faltava, em Nazaré, uma pessoa para meter a colher nessa polêmica. Antes de passar o telefone para o Paulinho, que reforçou a tese da Travessa do Cruzeiro, Armando confirmou:

- Quem também está aqui é o Bené, mas ele não acreditou muito nessa Travessa do Cruzeiro, não. No fim, com o Paulinho e o Fábio insistindo ele aceitou, mas não se convenceu não.

Ri ainda mais e nos despedimos. Em menos de dois minutos, Armando aparece de novo no visor do celular. Do outro lado, agora, o Fábio:

- Rafa, é Travessa do Cruzeiro! Aquilo ali nunca foi travessa do Tesouro, é do Cruzeiro, do Cruzeiro!

E desligou antes de dizer mais alguma coisa que eu não consegui identificar. Não demorou muito - eu não tinha acabado nem a primeira lata de Skol - o nome do Armando aparece pela terceira vez.

- Fala, Armando...

- Não, só para dizer que eu acho que o Bené não se convenceu ainda não.

- Pois é, ele gosta de polemizar

- Mas parece que é Travessa do Cruzeiro mesmo.

- Tudo bem, nem faço questão. Já mudei minha sugestão para Travessa do Samba.

- Também prefiro. No fundo, acho que o Bené aceitou, mas eu sei que ele não se
convenceu.

E, assim, provavelmente depois de derrubarem mais outras tantas saideiras e serem convidados elegantemente para deixarem o estabelecimento uma vez que terça-feira a Maçonaria manda no pedaço depois das 20h, Armando, Fábio e Bené pegaram o rumo de casa. Ainda há pano para manga nessa polêmica sobre a travessa. No próximo round, estarei in loco. Salve os butequins!

terça-feira, 16 de dezembro de 2008

PEDRO CATOMBO: VAI FICAR UM VAZIO NO BALCÃO



Recebo a notícia do tricolor Júlio César Pimenta de que Pedro Catombo, proprietário do bar do Pedro, na Rua Vigário Bartolomeu, foi convocado na madrugada de hoje para comandar outro buteco no andar de cima. Internado há dez dias por conta de uma forte gripe que evoluiu para uma pneumonia, seo Pedro não resistiu. O buteco deve ser levado, agora, pelo filho Nélio, que dividia as funções com o pai.

Confesso que não era freqüentador assíduo do buteco. Devo ter ido três vezes, no máximo, ao estabelecimento. Sempre muito bem atendido, diga-se de passagem. Cheguei a tentar entrevistá-lo numa das edições do Pratodomundo. Tímido, passou a bola para o filho.

Quando assumi interinamente a editoria de cultura do VIVER, na TN, organizei uma matéria para o caderno FIM de SEMANA sobre os butecos pés-sujos da cidade. Conversei com a repórter Michelle Ferret numa manhã de sexta-feira e disse para rodar o Beco da Lama, em especial os bares de Nazaré e do seo Pedro, além da Caixa de Fósforo, na rua Princesa Isabel. Lá, eu disse, você vai encontrar histórias de botequim.

Acompanhada do fotógrafo João Maria Alves (melhor companhia ela não haveria de encontrar nesta pauta), Michelle pegou o rumo do Beco. Lá pelo meio-dia, volta com os olhos brilhando e duas histórias que pagaram a idéia da reportagem.

Em Nazaré, encontraram um sósia do Cartola tomando uma gelada sozinho na entrada do buteco. Em Pedro Catombo, ouviu da clientela histórias sobre a caderneta de fiado do proprietário do estabelecimento. Dizia o povo que, na hora de acertar as contas no fim do mês, vinha sempre algumas gelas a mais. Seo Pedro, claro, negava. Seriam os juros pela demora no pagamento, disse um cara abancado numa das mesas do buteco. O que sei é que isso é história.

Que Nélio continue a sina do pai alimentando a cada dia as estórias dos botequins da cidade. Mas para quem bate ponto no buteco todos os dias o futuro será como disse o publicitário Augusto Lula, assim que leu a notícia da partida de Pedro Catombo na internet: “vai ficar um vazio no balcão”.

TRAVESSA DO SAMBA



Desde que a turma do chorinho decidiu abraçar a Ribeira, e deu vida ao Buraco da Catita, as esquinas do Centro Histórico se ressentiram do bom e velho choro do cavaco. O grupo Catita, Choro e Gafieira, que durante mais de um ano conseguiu arrebanhar gente que sequer sonhava em freqüentar o Beco, chegou a mudar três vezes de lugar até descer. Do bar de Nazaré, na Coronel Cascudo, Camilo Lemos e companhia caminharam alguns metros até o bar de Fátima, na Travessa do Tesouro, e terminaram o casamento com o Centro junto a Pedro Catomba, já na Vigário Bartolomeu, até partirem para uma justíssima empreitada própria.

É fato que a saída dos chorões deixou mal acostumadas as esquinas do Centro. Na calçada do bar de Nazaré, uma turma boa até que ensaiou uma roda de samba bacana na boca da noite das sextas-feiras. Mas nada que firmasse uma rotina. Vez ou outra o samba começava apenas para esquentar parte do grupo, que descia logo em seguida para o Buraco, na Ribeira, onde o choro segue comendo solto até a madrugada dar as caras.

Mas a grande notícia desse fim de ano é a volta do samba às sextas-feiras no Centro Histórico. Com direito a cavaquinho, banjo, tantan e um surdo na marcação sob os cuidados da Daniele. Tudo acústico. A roda, comandada pelo grupo Arquivo Vivo dos parceiros Marquinhos e Vinícius, começa por volta das 19h no cruzamento da Rua Coronel Cascudo com a Travessa do Tesouro. O público ainda está se reacostumando com a volta do samba, mas para quem não é chegado a uma muvuca, a roda vai muito bem obrigado. Poucas mesas e um repertório da mais alta categoria. Todas as sextas descem por lá Cartola, Roberto Ribeiro, João Nogueira, Nelson Cavaquinho, Zé Kéti, Paulinho da Viola e uma porção de outros bambas de responsa. A cerveja costuma vir geladíssima a R$ 3. O atendimento do buteco também é de primeira, apesar do banheiro não ser assim aquela Brastemp para as mulheres. Mas desce na urina.

Sexta-feira passada quem baixou por lá foi o Jorge Simas, um dos maiores nomes do violão de 7 cordas do país. O cara trabalhou SÓ com Nelson Cavaquinho, Elton Medeiros, Moreira da Silva, Beth Carvalho, Jorge Aragão, Roberto Ribeiro e quem mais você imaginar. Chegou de mansinho e ia passar despercebido quando foi reconhecido pelos músicos. Cumprimentou a rapaziada, posou para fotos... tudo na maior simplicidade, como pede um samba de raiz.

Num outro dia samba, o partido comia alto quando um gari, em pleno ofício, parou para ouvir o samba. Parou é modo de dizer. O cara simplesmente incorporou o batuque da roda e deu um show na Travessa do Tesouro.

Por falar em Travessa, o nome da rua foi motivo de debate semana passada. O portão de ferro do buteco já tinha arriado pela metade quando o Vinícius, do banjo, veio pedir uma sugestão a mim, Ana e Armando, os últimos heróis da noite, sobre um nome para o local que virasse referência para a roda de samba do Arquivo Vivo. Lembrei que aquele trecho era conhecido como Travessa do Tesouro. De pronto, o Bené, pai do Vinícius, que parece afeito a uma polêmica, disse que nunca tinha ouvido falar nisso em 40 anos de Centro. Mantive a informação mesmo prometendo checá-la com quem entende do riscado. Se estiver certo, voto na “Roda de Samba da Travessa do Tesouro”. Se o Bené ganhar, também não saio por baixo. Direi sem culpa nenhuma no cartório: vida longa a TRAVESSA DO SAMBA.





segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

CHICO ANTÔNIO: O ARTISTA QUE VIVEU DUAS VEZES


O escritor e pesquisador paulista, Mário de Andrade, resolveu saber como andavam as coisas por aqui em 1928. Até então, trocava cartas com Luís da Câmara Cascudo, mas só foi conhecer o folclorista quando decidiu gastar o solado do sapato nessa terra de Poti. Soube, pela coluna dominical do Woden Madruga que foi parar na lista do Beco da Lama, que hoje, 15 de dezembro, a passagem de Mário de Andrade pelo RN completa 80 anos.

E de tudo o que o pesquisador escreveu sobre a viagem, relatada no livro “O Turista Aprendiz”, vale lembrar o encontro com o embolador de coco Chico Antônio. Dizem as línguas mais ferinas que Mário se encantou mais pela arquitetura física do artista que propriamente pelo som da embola. Mas isso é outra história.

O que me trás ao meio da rua nesta segunda-feira é a certeza cega de que os artistas da cultura popular são verdadeiros heróis num mundo amnésico. Mesmo registrado pela caneta de Mário de Andrade, Chico Antônio precisou ser descoberto duas vezes!! Depois da visita do pesquisador paulista, o coqueiro voltou ao limbo. Nem Cascudo, vejam só, demonstrou interesse em conhecer mais da história do artista.

Chico Antônio só voltou à cena 50 anos depois. Dessa vez pelas mãos do folclorista Deífilo Gurgel que, em 1979, resolveu mapear a cultura popular do litoral norte e sul do Estado. E acabou encontrando, sem querer, o famoso embolador de coco que fez Mário de Andrade sorrir.

Tive o prazer de refazer boa parte dessa viagem com Deífilo há dois anos quando ainda trabalhava no caderno VIVER, da Tribuna do Norte. O pesquisador queria rever os personagens que registrou no final dos anos 70 e saber que manifestações culturais resistiram com o tempo.

Ao chegar em Pedro Velho, município onde Deífilo e Chico Antônio se encontraram no passado, pedi ao folclorista para relembrar o momento. Eis o relato na íntegra, ainda emocionado, depois de quase 30 anos:

- O engraçado é que parece que nem Cascudo sabia dele, apesar de ter acolhido Mário de Andrade naquele tempo. Mário ficou encantado por Chico, acabou até convidando ele para se apresentar em São Paulo, mas não deu certo porque Chico desistiu. Mas no meu caso, o descobri por caso, numa das visitas que fiz a Pedro Velho. Em 1979, quando fui para a Fundação José Augusto, resolvi fazer um levantamento das danças no RN, o mesmo roteiro que estamos fazendo agora. E em Pedro Velho, depois de falar com algumas pessoas, estava me despedindo do tabelião Genar Bezerril quando ele me disse que na cidade existia um embolador de coco muito bom. Quando perguntei o nome do rapaz e ele me respondeu Chico Antônio, quase caí para trás. Fomos até o sítio onde ele estava e comecei a lhe fazer perguntas para me certificar de que era o mesmo Chico de quem Mário de Andrade havia falado. Depois que ele disse que tinha morado no sítio Bom Jardim, quis saber algumas coisas que estavam escritas no livro “O turista aprendiz”, onde Mário descreve esse encontro. Até que, por fim, lhe perguntei sobre alguma pessoa importante que esteve conversando com ele há muito tempo. E ele respondeu: “Lembro sim, doutor. Foi o seo Mário de Andrade”. Aí foi outro choque, era o Chico Antônio!

SAMBA PRA ALEMÃ BOTAR DEFEITO


Quando eu digo que o Centro Histórico absorve personagens que não existem em lugar nenhum do mundo parece, mas não é exagero. Faz um tempo que eu corro atrás de uma reportagem que fiz ainda no VIVER, da TN, sobre a última eleição da Sociedade dos Amigos do Beco da Lama e Adjacências (SAMBA). O pleito ocorreu dia 1º de maio, vejam vocês, no Dia do Trabalho. E que trabalho! Mas a minha sanha em resgatar aquele texto era para relembrar um diálogo incrível que ocorreu entre um dos candidatos a presidente, Alex Gurgel, com uma senhora com pinta de alemã que se identificou como Josineide Varela, de 63 anos.

A distinta senhora vinha subindo o Beco completamente bêbada e parou onde eu entrevistava o Alex. Os dois começaram a conversar e quando vi que a prosa teria um rumo inimaginável, me afastei e comecei a anotar o embate. Infelizmente, fui fazer a reportagem sem fotógrafo (os jornais daqui tem essas coisas) e não tenho a imagem da Josineide, que ainda revelou ser artista plástica. Mas de qualquer forma, esse diálogo vale mais que qualquer imagem. Tudo no meio da rua, onde a vida realmente acontece:

Josineide Varela: Eu gosto de chutar (faz o movimento rápido como se levasse o copo à boca) por aqui. Mas onde é que a gente vota?

Alex Gurgel: O nome da senhora está na lista?

JV: Que lista, meu amigo! Venho aqui todos os dias. Só quero votar...

AG: Mas a senhora só pode votar se tiver o nome na lista. Se não tem, não vota.

JV: Como é que é? Você vai me dizer agora como eu devo fazer, é? Minha mãe morou por aqui a vida toda! Todo mundo me conhece aqui. Vou votar sim.

AG: Minha senhora, entenda: é uma regra. Imagine se todo mundo que quisesse votar viesse para cá? Não ia ter condições. Se o prefeito de Natal quisesse votar hoje ele não podia porque o nome dele não está na lista. Me diga porque a senhora votaria?

JV: O que é isso, meu amigo!? O prefeito é uma autoridade! Você não pode fazer isso. Vou votar e ainda trouxe dois amigos que vieram da Alemanha para votar também.

AG: Minha senhora, não pode! A senhora conhece pelo menos os candidatos que estão participando da eleição?

JV: E eu lá quero saber de candidato, meu amigo! Vou votar no melhor. Me diga uma coisa: vocês tem sede?

AG: Não.

JV: Meu amigo, vocês não têm nem sede e ainda querem me impedir de votar? Como é que pode?

AG: Mas se a senhora não sabe nem quem são os candidatos...

JV: E você lá conhece algum candidato!

AG: EU SOU CANDIDATO! Ta vendo? Como é que a senhora quer participar se não sabe de nada?

JV: Olha aqui, quero uma cerveja. Não dá para conversar com você sem tomar cerveja.

AG: Tem vários bares aqui...(ele aponta para a região)

JV: (depois de entrar e sair do bar em frente onde a discussão se dava, ela volta provocando) Aqui não tem cerveja. Quero votar.

AG: Eu já lhe disse que a senhora não vai votar.

JV: Que absurdo! Você sabe porque isso está acontecendo?

AG: Porque a senhora não tem o nome na lista...

JV: Não! Porque não tem organização! Isso é coisa de brasileiro! O Congresso Nacional só tem safado. Isso o que está acontecendo aqui é uma sacanagem...

AG: A senhora está misturando as coisas. Não tem nada a ver uma coisa com outra. Aqui é a eleição da Samba.

JV: De quem? Está vendo? Até o nome é uma porcaria (diz o nome Samba com desdém e dança na frente do repórter e do candidato numa cena que lembrava as chanchadas da década de 70).

AG: Mas Samba é Sociedade dos Amigos do Beco da Lama e Adjacências. Olhe, a senhora não sabe nem o que significa o nome da entidade. Quanto mais votar...

JV: Olhe aqui, meu amigo: eu vou me candidatar à vereadora nas próximas eleições e ainda vou ter mais votos que você! Agora eu vou tomar uma cerveja e depois vou votar, você não vai me impedir!

Depois de se despedir, ao seu estilo, Josineide foi até à urna e falou alguma coisa para o mesário, que balançou a cabeça negativamente. Em seguida, resmungou, olhou para o lado e entrou no bar do Chico, atrás da famigerada cerveja.