sexta-feira, 26 de março de 2010

NAZARÉ, A MÃE DE TODOS OS BOÊMIOS



Na última matéria da série "Meu Lar é o Botequim", nesta sexta-feira que promete muita cerveja, um pedaço do bar de Nazaré, cravado na rua Coronel Cascudo, adjacência do Beco da Lama.

A família de Nazaré Melo é grande. O número de clientes que adotaram o bar como a segunda casa é de perder de vista. Com pulso firme e diplomática, se divide em muitas tanto atrás do balcão como na cozinha e até atendendo os clientes. Ao lado, o fiel escudeiro Paulo Eduardo. E lá se vão 16 anos só no ponto já tradicional da rua Coronel Cascudo (ao lado do supermercado São Cristóvão, por trás da Assembleia Legislativa).

A relação com o bar é difícil, mas a dupla tira de letra. Segundo Paulinho, que também atua em todas as posições do botequim, ambos já se habituaram. “Na realidade a gente já ficou habituado. Minha mãe já tem mais de 20 anos nesse ramo. Como o empreendimento é pequeno e não dá muito dinheiro não podemos pagar muitos funcionários. E a gente acaba passando o dia no bar, o que é bom também porque o cliente te vê e você pode arrumar alguma coisa que não está legal”, disse.

Cansativo e prazeroso: uma mistura que dá liga e samba em todo botequim de verdade. No fim das contas, mesmo quando o caixa aperta, o sentimento de dever cumprido é o que vale. “É cansativo, não é ruim não. Mas é aquele negócio: é no bar que você come, faz tudo e leva até documentos que se fosse deixar em casa para resolver alguma coisa seria uma contramão danada. Então, virou hábito”, conta.

Aberto das 8h30 às 22h (com exceção das terças-feiras que fecha às 19h por conta das reuniões da maçonaria que acontecem em cima do boteco), o bar de Nazaré se especializou em pratos como o carneiro, a fava servida no sábado, e a galinha caipira e a feijoada que fazem a alegria dos clientes na sexta-feira.

Outra pedida é o samba do grupo Arquivo Vivo que ocorre todas as quintas-feiras em frente ao botequim, sempre de 19h às 22h. Também de graça, no meio da rua.

quinta-feira, 25 de março de 2010

SAUDADE NO BAR DO PEDRINHO



A quarta e penúltima matéria da série 'Meu Lar é o Botequim' abre essa quinta-feira de sol relembrando a saudade do velho Pedro Catombo no bar do Pedrinho

Se uma palavra definisse o sentimento que rege as relações no bar do Pedrinho, ao lado do camelódromo da Cidade Alta, seria, sem dúvida, saudade. Com a morte em dezembro de 2008 do patriarca do botequim Pedro Faustino da Costa, conhecido como Pedro Catombo por conta de uma queda da árvore que lhe rendeu um caroço nas costas, o bar passou para as mãos do filho Nélio, que corta um dobrado para levar o estabelecimento sem deixar a peteca cair.

A clientela se mantém firme, a cerveja sempre gelada e o tira-gosto no ponto, mas a caricatura de seo Pedrinho está na parede para que ninguém esqueça que tudo aquilo ali tem um responsável. “Meu pai era o dono de bar mais antigo aqui do Centro. Ele morava aqui perto e eu em Ponta Negra. Chegávamos cedo, antes das 8h, e se eu me atrasasse cinco minutos ele já reclamava”, lembra.

Alguns anos antes de partir, Pedro Catombo convocou Nélio para ajudá-lo no serviço. Agora, no entanto, é com ele e os dois funcionários efetivos (fora Fernando, o simpático garçom que bebe todas e dá uma mão nos dias mais agitados). “É um trabalho difícil, toma todo o tempo da gente, mas no fundo é bom”, analisa.



A pedida, no bar do Pedrinho, é a sardinha ao molho, um sucesso de venda e aprovada por unanimidade pelos clientes que adotaram o prato. No primeiro sábado de cada mês, o boteco abre espaço para a roda de samba do grupo Nós do Beco. Tudo no meio da rua. É diversão e satisfação garantida.

quarta-feira, 24 de março de 2010

BAR DO LOURIVAL: DE PAI PARA FILHO



Na terceira matéria da série 'Meu lar é o botequim', onde o Meio da Rua homenageia Noel, um pouco da relação que Lourival Jr. tem com o bar que leva o nome do patriarca da família

Outro boteco que respira esse sentimento caseiro é o bar do Lourival. Escape em anos muito distantes dos jornalistas do Diário de Natal, por conta da localização próxima à antiga sede dos Diários Associados em Natal, na avenida Deodoro da Fonseca, em Petrópolis, o estabelecimento comandado pelo ex-bancário Lourival Lúcio da Silva, 86 anos, é respeitado e frequentado por gente de toda a estirpe. Por lá, pai e filho se orgulham de já terem recebido artistas nacionais consagrados do naipe de Waldick Soriano, Altemar Dutra, Sílvio Caldas, além de políticos e intelectuais da terra.

Hoje, por conta do tempo e do esforço que a atividade exige, quem toma conta do boteco é o filho do dono, Lourival Júnior. Com ele, ajudam a carregar o piano Nicó e Birino, dois garçons folclóricos que já viraram marca registrada da família Lourival.

Júnior, como é chamado pela assistência, mora em Candelária, mas bate ponto todos os dias no bar. “O bar tem 45 anos. Meu pai era bancário e como tinha 9 filhos, precisou arrumar uma renda extra e montou o bar, que era uma mercearia antigamente. Foi também quando entrou para a maçonaria e, depois das sessões, o pessoal vinha todo para cá. E o bar foi crescendo”, contou.



Sobre a relação ‘de casa’ que mantém com boteco, Lourival Júnior admite o sentimento. “A gente acaba passando mais tempo aqui do que em casa e se apega. Mas ainda vou em casa, dá para ficar com a família também”, analisa.

Além da cerveja sempre gelada, o bar do Lourival é ‘doutor’ em paçoca, picado e carneiro. E mantém, ainda que de forma não oficial, um serviço de disk-taxi para quem passa do ponto. “Quando vemos que a pessoa está muito ruim e é um de nossos conhecidos, a gente liga para a família. Às vezes o pessoal vem buscar, já em outras ocasiões os parentes pedem para que coloquemos a pessoa dentro de um taxi e ensinar o caminho ao taxista”, diz.

O QUE ACONTECE NO MAR

E se tudo foi mentira?
E se eu não morri de amor?
Todo beco sem saída
É uma história de terror

A gente vai devagar
Até a luz acender
Vamos mudar de lugar
O tempo passa o sofrer

Quem sabe um dia não dá
Pra gente, enfim, entender
Que o que acontece no mar
Ninguém precisa saber

Misterioso lugar
Quem vê não sabe o que vê
Eu vou ali mergulhar
E se eu desaparecer
Foi tão bonito,
Foi um prazer

RD

terça-feira, 23 de março de 2010

SOLIDÃO A TRÊS NO BAR DOS EX-COMBATENTES


A segunda matéria da série "Meu lar é o botequim", conta um pouco da história e as dificuldades do bar do Ex-combatente

Por trás do balcão azul já desbotado pelos tempos idos, José Geraldo Soares da Silva conta os dias para baixar de vez o velho portão de aço do botequim. Proprietário do bar do Ex-Combatente, herdado do pai, um militar que integrou as tropas da Força Aérea Brasileira na 2ª Guerra Mundial, se vê desmotivado pela concorrência do shopping Midway Mall que, segundo ele, ‘roubou’ os clientes que vinham almoçar no estabelecimento. “Antes do Midway vendia 80 almoços por dia. Hoje, sai apenas cinco ou seis”, conta.

Além de sentimental, a relação do de Geraldo com o bar é, também, familiar. Ele, a esposa e o filho moram nos fundos do estabelecimento e estão de partida. “Antigamente, quando a clientela vinha sempre, o bar não fechava. Quando batia o sono eu ia dormir e meu irmão que ajudava ficava no meu lugar. Mas dos clientes mais antigos da época da guerra, morreram quase todos. Acho que daqui para o final do ano eu vendo e vou fazer outra coisa”, diz com os olhos fundos e pensamento no passado.

Na prateleira, poucas garrafas e algumas raras latas de Brahma. Dos bons momentos, Geraldo volta no tempo em que a avenida Salgado Filho, onde fica o botequim, ainda era conhecida como avenida 15 e recheada de cabarés. “O povo bebia tanto aqui como lá (nos cabarés). Lembro bem de Virgínia, Rita Lora, Zefa Paula... ali era um tempo bom”, ressalta com aquele suspiro de saudade.

segunda-feira, 22 de março de 2010

MEU LAR É O BOTEQUIM


O Meio da Rua publica, a partir de hoje, uma série de matérias sobre a relação dos donos de bar com os botequins. Uma homenagem singela ao poeta da Vila e habituê dos tradicionais pé-sujos, Noel Rosa, que completaria 100 anos em dezembro de 2010 se não tivesse ido a oló tão cedo. A reportagem completa saiu na edição de domingo do NOVO JORNAL, mas como uma cerveja bem gelada, aparece aqui em goles bem tomados.

Noel Rosa, o poeta da Vila, boêmio de quatro costados e habituê dos botequins mais vagabundos do Rio de Janeiro, já havia cantado a pedra. Em ‘Último Desejo’, uma das obras-primas do samba, o compositor carioca que faria 100 anos em 2010 pede à mulher com quem acabara de sacramentar uma dolorosa separação, que, a partir dali, no caso de encontrar alguém que ele deteste, diga que o botequim é o lar do poeta. Em Natal, assim como no Rio ou em qualquer outro lugar do país, os botecos também viram abrigo. E dentro do universo de personagens que habitam os bares está uma parcela da população brasileira que, além daqueles frequentadores assíduos, faz do boteco a extensão da própria casa, ‘moram’ por prazer e por dever do ofício: os donos.

Os irmãos Valdir e Antônio de Medeiros entendem do riscado. Há 28 anos no comando do ‘Caixa de Fósforo’, boteco encravado na rua Princesa Isabel, no Centro, a dupla leva o barco devagar como nos sambas do Paulinho da Viola. O botequim é, proporcionalmente, tão pequeno como uma caixa de fósforo, mas ainda assim os proprietários conseguiram criar dois ambientes: no balcão que dá para a rua, onde bebem os chamados ‘forasteiros’ e na parte interna, onde cabem, no máximo, 15 clientes mais chegados.

Na parede improvisada do estabelecimento, uma placa singela indica que o ambiente é de família e, por isso, higiene é norma da casa. “Não pode jogar cerveja nem cuspir no chão aqui dentro, senão isso aqui vira uma seboseira. Precisei botar essa placa aqui porque tem gente que não respeita e cospe mesmo”, revela Valdir, o irmão mais novo.

Para Antônio de Medeiros, o botequim é como a própria residência que mantém apenas como dormitório, em Lagoa Nova. “Passo a maior parte do tempo no bar, para casa mesmo vou só à noite quando fecho tudo. E logo cedo estou de volta. Descanso é no domingo, mesmo assim venho para o bar pela manhã para limpar a geladeira e o restante das coisas que ficaram sujas”, relata.



O dono do ‘Caixa de Fósforo’ deixa claro a opção pelos clientes mais antigos, ainda que sirva com cordialidade qualquer pessoa que chegue ao bar para tomar, geralmente, uma cerveja gelada. E reafirma o sentimento caseiro que tem pelo boteco. “Aqui dentro do bar não entra forasteiro. Até porque não boto qualquer pessoa para dentro da minha casa”, disse.

Além do tamanho, o Caixa de Fósforo também se difere dos outros botequins por vender apenas cerveja em lata e long neck. A opção foi feita depois de um problema com a burocracia da Ambev e a decisão foi aprovada pelos frequentadores. “O pessoal gostou porque a cerveja esquenta menos no copo e para nós também foi ótimo, já que o consumo até aumentou”, comemora.

A cozinha, comandada simultâneamente pelos dois irmãos, uma herança da mãe que ensinou o ofício para os 14 filhos, também é destaque no estabelecimento. No cardápio dos tira-gostos, que custam em media R$ 5, o prato, aparecem rabada, galinha, peixe frito, cozido, carneiro e a costela de porco.

Do atendimento ao tira-gosto, tudo é aprovado pelos clientes mais antigos. Que o diga o aposentado João Revorêdo, de 80 anos, que acompanha os irmãos Medeiros desde a fundação do Caixa de Fósforo. Nem a ausência de mulheres, num ambiente predominantemente machista, é motive de queixa. “Para arengar já tenho uma velha lá em casa. Para mim, aqui, é o melhor boteco de Natal. Venho para cá porque se eu ficar parado morro. Meu serviço é beber”, filosofou.