segunda-feira, 22 de março de 2010

MEU LAR É O BOTEQUIM


O Meio da Rua publica, a partir de hoje, uma série de matérias sobre a relação dos donos de bar com os botequins. Uma homenagem singela ao poeta da Vila e habituê dos tradicionais pé-sujos, Noel Rosa, que completaria 100 anos em dezembro de 2010 se não tivesse ido a oló tão cedo. A reportagem completa saiu na edição de domingo do NOVO JORNAL, mas como uma cerveja bem gelada, aparece aqui em goles bem tomados.

Noel Rosa, o poeta da Vila, boêmio de quatro costados e habituê dos botequins mais vagabundos do Rio de Janeiro, já havia cantado a pedra. Em ‘Último Desejo’, uma das obras-primas do samba, o compositor carioca que faria 100 anos em 2010 pede à mulher com quem acabara de sacramentar uma dolorosa separação, que, a partir dali, no caso de encontrar alguém que ele deteste, diga que o botequim é o lar do poeta. Em Natal, assim como no Rio ou em qualquer outro lugar do país, os botecos também viram abrigo. E dentro do universo de personagens que habitam os bares está uma parcela da população brasileira que, além daqueles frequentadores assíduos, faz do boteco a extensão da própria casa, ‘moram’ por prazer e por dever do ofício: os donos.

Os irmãos Valdir e Antônio de Medeiros entendem do riscado. Há 28 anos no comando do ‘Caixa de Fósforo’, boteco encravado na rua Princesa Isabel, no Centro, a dupla leva o barco devagar como nos sambas do Paulinho da Viola. O botequim é, proporcionalmente, tão pequeno como uma caixa de fósforo, mas ainda assim os proprietários conseguiram criar dois ambientes: no balcão que dá para a rua, onde bebem os chamados ‘forasteiros’ e na parte interna, onde cabem, no máximo, 15 clientes mais chegados.

Na parede improvisada do estabelecimento, uma placa singela indica que o ambiente é de família e, por isso, higiene é norma da casa. “Não pode jogar cerveja nem cuspir no chão aqui dentro, senão isso aqui vira uma seboseira. Precisei botar essa placa aqui porque tem gente que não respeita e cospe mesmo”, revela Valdir, o irmão mais novo.

Para Antônio de Medeiros, o botequim é como a própria residência que mantém apenas como dormitório, em Lagoa Nova. “Passo a maior parte do tempo no bar, para casa mesmo vou só à noite quando fecho tudo. E logo cedo estou de volta. Descanso é no domingo, mesmo assim venho para o bar pela manhã para limpar a geladeira e o restante das coisas que ficaram sujas”, relata.



O dono do ‘Caixa de Fósforo’ deixa claro a opção pelos clientes mais antigos, ainda que sirva com cordialidade qualquer pessoa que chegue ao bar para tomar, geralmente, uma cerveja gelada. E reafirma o sentimento caseiro que tem pelo boteco. “Aqui dentro do bar não entra forasteiro. Até porque não boto qualquer pessoa para dentro da minha casa”, disse.

Além do tamanho, o Caixa de Fósforo também se difere dos outros botequins por vender apenas cerveja em lata e long neck. A opção foi feita depois de um problema com a burocracia da Ambev e a decisão foi aprovada pelos frequentadores. “O pessoal gostou porque a cerveja esquenta menos no copo e para nós também foi ótimo, já que o consumo até aumentou”, comemora.

A cozinha, comandada simultâneamente pelos dois irmãos, uma herança da mãe que ensinou o ofício para os 14 filhos, também é destaque no estabelecimento. No cardápio dos tira-gostos, que custam em media R$ 5, o prato, aparecem rabada, galinha, peixe frito, cozido, carneiro e a costela de porco.

Do atendimento ao tira-gosto, tudo é aprovado pelos clientes mais antigos. Que o diga o aposentado João Revorêdo, de 80 anos, que acompanha os irmãos Medeiros desde a fundação do Caixa de Fósforo. Nem a ausência de mulheres, num ambiente predominantemente machista, é motive de queixa. “Para arengar já tenho uma velha lá em casa. Para mim, aqui, é o melhor boteco de Natal. Venho para cá porque se eu ficar parado morro. Meu serviço é beber”, filosofou.

Um comentário:

Armando Miranda disse...

Boa Rafael!

E eu já tive o 'privilégio' de beber na parte interna do Caixa de Fósforo, a convite de um frequentador antigo. Isso já faz algum tempo, e foi bem legal.

É realmente um dos butecos mais tradicionais de Natal.

Abraço!