quarta-feira, 19 de novembro de 2008

MARINHO CHAGAS: UM GENTLEMAN QUASE RUBRO-NEGRO



Corri o risco de apanhar do craque Marinho Chagas. Digo sem a menor cerimônia.
Hoje, sei que dificilmente faria, sóbrio, a pergunta que fiz a ele numa daquelas noites sem fim na mesa redonda do Bardallo´s de antigamente. Vai ver foi isso. Ou não. O fato é que antes da minha timidez abordar o ex-lateral esquerdo da Seleção Brasileira, do Santa Cruz e do Botafogo, na mesa ao lado da minha, Marinho já havia expulsado do local o publicitário Lula Augusto que, numa performance melancólica, insistia com uma conversa chata de que torcia para o Fluminense.

No meu caso, fui mais persistente. Puxei conversa, lembrei do chororô alvinegro na final da Taça Guanabara usando toda uma técnica para não irritá-lo, cerquei com uma mini-entrevista sobre o possível lançamento de uma biografia em que contaria grandes histórias vividas na carreira e, depois de três ou quatro brindes e a confissão de que me sentia orgulhoso em tomar uma cerveja com Marinho Chagas, veio o seguinte diálogo:

- Você chegou a receber proposta do Flamengo?

Senti, pelo gole de cerveja bem tomado, que Marinho voltou no tempo:

- Em 1981, quando eu estava no Cosmos com o Pelé, liguei para o Márcio Braga dizendo que queria voltar para o Brasil e, de preferência, para o Flamengo, que tinha um time maravilhoso. Aí o Márcio disse que não tinha interesse em mim e acabei assinando com o São Paulo.

A deixa do Marinho foi como um pênalty. Era só eu e o goleiro. Não tinha como errar. E bati:

- Mas, falando sério hoje, você acha que tinha lugar naquele time, no lugar do Júnior?

Sabe quando você faz uma pergunta já preparando um lado do rosto para rebordosa? Pois bem. Sentindo que a bola ia morrer no canto, lá no fundo da rede, Marinho levanta a cabeça e com elegância devolve a pelota:

- Eu fui o melhor lateral esquerdo do Brasil na Copa do Mundo de 74. Mas quando voltei ao Brasil, falei para o Júnior: você vai ser meu sucessor. E foi.

Poucas pessoas, principalmente no futebol, conseguem reconhecer o fim de uma era ou de uma fase maravilhosa, como a que Marinho Chagas viveu nos tempos idos da década de 70. A resposta dele é como uma aula dessas que a gente só ouve nos butecos da vida. Minha reação foi simples: ergui o copo pela quinta vez naquela noite e ofereci um brinde ao gentleman quase rubro-negro que, por pouco, me viu chorar.

BUTECO DE FÉ

Tenho lutado incansavelmente ao lado da Ana, minha parceira de todas as horas, para encontrar O Buteco. Daqueles que a gente tem a honra de chamar de nosso. Que seja, de fato, a segunda Casa da nossa ainda pequena, mas mui amada família.

Um lugar aonde se chega à vontade, se abanca, se bebe, se come, se ri, se chora, se sonha e, no fim de mais um dia de muitos trabalhos, se despede com a certeza de que, no dia seguinte, tudo será ainda melhor. Sem compromisso com hora, sem fazer cerimônia.

E o que mais tem me deixado orgulhoso desde que iniciamos esse périplo pelos botequins natalenses é a constatação de que, hoje, fazemos, eu e Ana, parte de muitas famílias. Temos, enfim, a honra de chamar de nosso não apenas um, mas pelo menos quatro butecos desta cidade.

O bar de Nazaré e o bar do Ricardo, no Centro, a cigarreira do seu Pedrinho, em Morro Branco, e o PotiBar, em Ponta Negra, merecerão, mais para frente, crônicas distintas.

Por enquanto, basta saber que nesses quatro butecos, a qualquer hora do dia ou da noite, um sorriso sincero nos acolhe. Como acontece nas grandes famílias. Um sentimento verdadeiro que fez surgir, já nos primeiros encontros, grandes amizades.

É que não há nada que dê mais orgulho nessa vida de boêmio que ser chamado pelo nome pelo dono de um Buteco. Um lugar que não lhe cobra o sobrenome. E que esteja você como estiver serás sempre um filho da Casa.

segunda-feira, 17 de novembro de 2008

UMA HISTÓRIA DO BAR DO NASI

O tradicionalíssimo bar do Nasi, fincado na histórica esquina da rua Dr. José Ivo com a Coronel Cascudo, no coração do Beco da Lama, segue hoje por linhas tortas nas mãos de um comerciante que a comunidade do Centro chama de Chico. Sujeito bronco, herdou o buteco do filho do velho Nasi, Adoniran. Embora o nome de sambista e os anos vividos à sombra do buteco mais freqüentado do Beco sugiram a velha e boa malandragem da boemia, o herdeiro, imerso em dívidas acumuladas nas mãos de um agiota da Cidade Alta, passou a jóia como quem entrega o ouro ao bandido.

Reza a lenda contada e ouvida em toda esquina e adjacência do Beco que o tal agiota, antes de morrer assassinado um ano desses, repassou o ponto ao Chico, também por conta de umas dívidas nesse negócio de agiotagem.

Isso tudo aconteceu de 2001 para cá, ano em que o velho Nasi foi ensinar, em outra dimensão, a famosa combinação de cachaça, mel e limão, imortalizada por ele muito antes de partir. Depois de tanto ouvir falar na meladinha preparada na hora e em cima de cada pedido, criei comigo a tese de que seu Nasi só foi “convocado” mesmo quando o homem lá de cima admitiu, internamente, que a receita da meladinha já tinha ganho mais fama que aquela história de transformar água em vinho.

Mas seguindo em frente, quando passei a freqüentar o Beco, em 2006, entrei no buteco e, da fila do banheiro, onde havia um simpático cartaz feito à mão numa folha de ofício com os singelos dizeres: “Favor não cagar”, avistei uma plaqueta negra com a escrita em bronze já encardido pelas décadas de histórias ali acumuladas. E põe história nisso. Quase por trás de um freezer da Brahma, ainda se conseguia ler o recado:

- Aqui, dia 21 de abril de 1969, Pixinguinha recebeu o abraço carinhoso desta Natal Boêmia.

Empolgado com a história e louco por mais detalhes da presença do mestre Pixinguinha no bar do Nasi, direcionei a metralhadora giratória de perguntas para o dono do estabelecimento. Com um pano de prato no ombro e os olhos voltados para o churrasquinho de gato prostrado no fogo, Chico nem olhou para minha cara:

- Foi um cara que teve aí. Mas não conheço nada dessa história não.

Decepcionado, só algum tempo depois descobri a importância daquele pedaço do Beco da Lama para a história do Centro Histórico de Natal. Alguns dos vários causos que tiveram o buteco e o velho Nasi como testemunhas. Inclusive o que de fato aconteceu naquela data que está indicada na placa em homenagem ao mestre Pixinguinha. Mas isso é mais pra frente. Até porque a história não morre. Com a história não tem essa de saideira. Nem quando o ouro, às vezes, cai na mão de quem não honra a tradição dos botequins.