terça-feira, 3 de janeiro de 2012

Eu e o chefe do DOI-CODI


Corria setembro de 2006, eu estava há seis meses de Tribuna do Norte, quando pintou a chance de entrevistar por telefone o homem apontado pela maioria das pessoas que viveram a ditadura militar como um dos principais torturadores da época. Carlos Alberto Brilhante Ustra vinha a Natal lançar um livro em que conta a visão dos militares sobre os anos de chumbo.

Foi uma entrevista tensa. Primeiro pelo meu interesse e envolvimento com o tema, embora na minha família não tenha ninguém que tenha sofrido as barbaridades daquele período. Segundo pela indisposição do próprio Ustra em falar sobre tabus da ditadura, como a própria tortura. Percebam na entrevista, aqui publicada na íntegra, como ele vai ficando nervoso com as perguntas.

Agora há pouco, lendo matéria sobre a lista de torturadores supostamente escrita por Luiz Carlos Prestes e publicada na revista História vejo o nome do meu entrevistado encabeçando a lista. Que a Comissão da Verdade, instaurada no final do ano passado pela presidenta Dilma Rousseff, cumpra seu papel de investigar, descobrir e punir todos os filhos da puta da época.

Abaixo, a entrevista publicada no caderno Viver, da TN, em 9 de setembro de 2009, com o ex-chefe do DOI-CODI Carlos Alberto Brilhante Ustra. E tirem suas próprias conclusões.



O OUTRO LADO DA MOEDA






Além de ter marcado simbolicamente o fim da ditadura militar no Brasil, a saída do general João Batista Figueiredo pela porta de trás do Palácio da Alvorada (ele se recusou a passar a faixa presidencial para o sucessor José Sarney), em 1985, levou os militares ao ostracismo. A única voz que se ouvia, até então, nas discussões sobre a repressão era a da esquerda brasileira. Nos últimos 20 anos, a bibliografia dos "anos de chumbo" expôs um dos lados da moeda.

O ano de 2006, no entanto, pode ficar marcado pelo retorno dos militares. Pelo menos à mídia. O coronel reformado do Exército, Carlos Alberto Brilhante Ustra, 74 anos, decidiu contar a versão dos militares para o golpe de 1964 - que derrubou do poder o presidente Jânio Quadros e deu início à ditadura. Ironicamente, o Ex-chefe do DOI-CODI, em São Paulo, entre 1970 e 1974 - um dos órgãos mais temidos durante a repressão - revela que vem sendo boicotado pelas grandes livrarias do país desde abril deste ano, quando decidiu publicar "A Verdade Sufocada: a história que a esquerda não quer que o Brasil conheça".

Com mais de 6 mil exemplares vendidos - segundo informações do autor -, o livro causou a primeira polêmica já no dia do lançamento oficial, em Brasília. O coronel foi intimado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo a depor sobre as acusações da militante de esquerda Maria Amélia Telis, que denunciou ter sido torturada na época de seu comando. O lançamento do livro em Natal está marcado para o dia 14 de setembro, a partir das 18h, na AS Livros da avenida Salgado Filho.

O coronel Brilhante Ustra conversou com o VIVER por telefone sobre o livro e outras questões relacionadas ao período. A voz tranqüila do militar no início da entrevista deu lugar à irritação em alguns momentos. Ele não admitiu a prática da tortura pelo regime, afirmou que o golpe foi dado para preservar a democracia e sentenciou: "vivemos numa ditadura disfarçada".

TRIBUNA DO NORTE Qual é a história que a esquerda não quer que o Brasil conheça?
Brilhante Ustra: A história da contra-revolução que começou no dia 31 de março de 1964. No livro procuro resgatar por que aconteceu daquela forma. Me baseio em documentos, provas e em dados, principalmente, os da esquerda.

E o que houve naquele momento que ainda não foi contado?
BU: O que se sabe é a versão mentirosa da esquerda. Trago a verdade. Desde 1961, durante os governos democráticos de Jânio Quadros e João Goulart, a esquerda visava plantar uma república marxista-leninista aqui. Vários comunistas, inclusive, foram mandados a Cuba para treinar técnicas de guerrilha armada.

Com o consentimento do Governo?

BU: Não. Era coisa do Partido Comunista. Fazia parte de um esquema montado pela União Soviética apoiado por Cuba através da Organização Latino-americana de Solidariedade, que orientava a luta armada. O que ocorreu, então, foi uma antecipação das Forças Armadas com a contra-revolução. Lutamos para preservar a democracia que vivia naquele momento. A esquerda, ao contrário, queria a ditadura revolucionária.

Mas não é incoerente preservar uma democracia com uma ditadura?
BU: Não é com ditadura! Estávamos em pleno regime democrático. Quando começou o terrorismo, os presidentes estavam vivendo uma democracia. As Forças Armadas reagiram e preservaram o regime. Isso ocorreu na Argentina, no Chile, no Peru, na Colômbia, no Uruguai... o único país em que a democracia não foi implantada, e curiosamente é venerado até hoje pela esquerda, é Cuba.

Que dados da esquerda o senhor utiliza para contar essa verdade?
BU: Principalmente os das mortes. Enquanto 30 mil pessoas morreram na Argentina e 4 mil no Chile, no Brasil houve apenas 500 mortes.

Mas são números oficiais do regime?
BU: Não. A esquerda conseguiu apresentar apenas 380 mortos e o governo contabilizou apenas 120. No livro relaciono todos os nomes. Pelo tamanho do Brasil, deveriam ser 150 mil, mas as Forças Armadas agiram rápido e evitaram que o país virasse um pandemônio.

E por que o senhor decidiu escrever o livro agora?
BU: Essa história tem sido contada e mal contada por um lado. Quando houve a lei da anistia, foi dada a ordem e decidimos colocar uma pedra em cima daquilo para começar uma nova etapa. Mas o lado dos vencidos conta a coisa de maneira deturpada. O que eu faço é destruir isso no livro.

O senhor vem enfrentando algum tipo de boicote?
BU: As grandes livrarias se recusam a vender meu livro. Estou sendo censurado. Parte da mídia também está silenciosa. Mas conversei com algumas pessoas do meio que me atestaram que o livro vai ser um fenômeno de vendas. Já vendi mais de 6 mil exemplares em Brasília, São Paulo e Rio de Janeiro, estados onde lancei a obra. O interessante é que as pessoas que viveram 1964 estão comprando o livro para os filhos que ainda não eram nascidos, orientando-os para que leiam.

Tem receio de manifestações por parte de entidades de esquerda?
BU: Até agora não aconteceu. Se houver manifestação terei mais uma prova de que estamos vivendo sob uma ditadura disfarçada, que essa é a verdade sufocada.

Em abril, quando o senhor lançou o livro em Brasília, o Tribunal de Justiça de São Paulo o intimou...
BU: Mas não teve nada a ver com o livro! Foi uma terrorista (Maria Amélia Telis) que disse que foi torturada na frente dos filhos no DOI-CODI de São Paulo, em 1972, quando eu estava na chefia. Eles estão querendo que eu ajude a pagar a pensão dos filhos deles.

Eles foram torturados mesmo? Em que pé está o processo?
BU: Olhe, o caso está com o meu advogado, Paulo Esteves, e ele me orientou a não dar qualquer declaração sobre isso. Se você quiser saber alguma coisa, ligue para ele.

Coronel, a ditadura era apoiada, de certa forma, por uma parcela da população até a prática da tortura no regime vir à tona. O senhor conta isso também no livro?
BU: Quando eram presos e chegavam na auditoria, era muito normal os terroristas negarem os assaltos, os atentados, dizerem que foram torturados... para o currículo deles, hoje, isso é o máximo. Dizer que matou gente, roubou... para nós, fica a pecha de torturador. Por mim, no DOI-CODI, passaram mais de cinco mil pessoas.

Mas havia tortura...
BU: Nunca vou admitir isso. Sei que havia alguns exageros, mas não era o normal.

Por que não admitir a tortura se o senhor está se propondo a contar a verdade sufocada daquele tempo?
BU: Rapaz, quantos anos você tem?

Vinte e sete.
BU: Então, você não sabe de nada. É muito jovem, não viveu aquele tempo.

O DOI-CODI paulista, que o senhor chefiou entre 1970 e 1974, era tido como um dos órgãos mais temidos da repressão. Por quê?
BU: A quantidade de terroristas em São Paulo era maior do que em qualquer outro lugar do país. Mas leia meu livro que você verá que isso não era verdade. Não tinha nada de temido.

Mas...
BU: Olhe guri, estou aqui para falar sobre meu livro! Me disseram que a entrevista seria sobre o livro. Não gosto de falar com a imprensa que quase sempre deturpa o que eu falo.

O senhor tem medo da imprensa?
BU: Se tivesse medo da imprensa já tinha morrido. Não sou contra ela. O problema é que a mídia deturpa as coisas. Tenho muito respeito por ela, só não gosto da falta de ética.

Coronel, os militares dizem que não morreu nenhum inocente durante a ditadura. Mas o fato do general Newton Cruz ter sido um dos indiciados pelo atentado no Riocentro, em 1981, não prova que os militares também forjavam provas para incriminar os comunistas?
BU: Não posso falar sobre isso porque não estava lá. Morava em São Paulo nessa época. Essa história de que militar plantava prova é um mito da esquerda. Olhe, já falei sobre o livro. Vamos encerrar essa conversa...

segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

'Samba é canção de guerra'



Khrystal está preparada para a guerra. A diferença, agora, é que no lugar do fuzil ela bate um pandeiro. Em vez do canhão, a percussão é que manda bala. A baioneta dá lugar ao bandolim e o pipoco do treme-terra deixa qualquer bombinha com cara de traque. Pergunte à nêga o que danado é o samba e ouça na bucha: 'O samba é canção de guerra'.

Pague para ver. A partir da próxima sexta-feira, e em todas as sextas seguintes até o carnaval, essa guerra toda descamba no Espaço Cultural Dosol, ali na Ribeira, aquele charmoso bairro velho de Guerra.

Com o show 'Do Jeito Que A Vida Quer', marcado pontualmente para começar sempre à meia-noite depois da discotecagem exclusivamente brasileira do projeto Barulhinho Bom, Khrystal reverencia o samba. E com o samba, toda a influência brasileira dessa intérprete potiguar elogiada por críticos tarimbados do naipe de Sérgio Cabral e Tarik de Souza estará no espetáculo.

Em 2012, Khrystal trocou os tradicionais shows de carnaval que costumava fazer por um repertório exclusivo de samba. Nele, a intérprete canta o Brasil. Pague pra ver e ouvir. O ingresso é apenas 10 pratas. Abaixo, um papo reto sobre o show. Khrystal está preparada para a guerra, a guerra do Brasil. E ai de quem estiver na linha de tiro.


Você lembra qual foi a primeira vez que teve contato com o samba?
Foi em casa,quando criança. Meu pai toca violão lindamente e canta assustadoramente. Dorival Caimmy, Adoniran Barbosa, Raimundo Olavo (potiguar)... tudo isso e muito mais rolava na minha casa. Minha família é muito ligada à música e a relação deles com ela é que desembocou na minha. O samba está nisso, completamente.

Qual foi o samba que escutou pela primeira vez, consegue lembrar?
O samba que ouvi pela primeira vez foi "Saudade da Bahia" de Caimmy, com Saraiva, meu Pai.

O samba te inspira ou qualquer música te inspira? O fato de ser brasileira e o samba ser uma cria brasileira com todas aquelas influências que temos da África mexe com você de alguma forma?
Mexe. Mas qualquer música me inspira. Só precisa ser boa. Acredito que todo cantor(a) brasileiro tem sua hora com o samba. Se não começa por ele, uma hora chega, sabe? De alguma maneira, isso se dá. Falando de mim, sou rítmica e intuitiva, não tem jeito. E o samba atende essa minha pré-disposição,como o côco atende... enfim, essas coisas que vem do negro, muito apimentadas, sempre tiram boas coisas de mim, no palco, sabe?

É a segunda vez que você prepara um show apenas com sambas, certo? Qual é a diferença daquele show com o Canteiros e este agora?
É a segunda vez, sim. A diferença do primeiro show pra esse, fundamentalmente é a formação da banda. Com o canteiro, a formacão era algo mais puxado para o clássico, com uma meia-lua de músicos, tinha violão, sete cordas e os instrumentos tradicionais, todos. Experiência linda! E o repertório. Algumas poucas coisas eu trouxe do outro pra esse.

'Do jeito que a vida quer' é um verso do Benito de Paula. Ele faz um tipo de samba que você gosta ou o nome do show tem a ver mais com a força da frase? O que a frase diz pra você?
Esse samba de Benito me traz uma memória de crianca que eu adoro,na casa minha Vó,em Lagoa Seca. Uma tia minha, tinha uma vitrolinha laranja, uma graça, que só tocava Benito di Paula. O tipo de Samba que ele faz tem um poder de comunicação que eu gosto. Mas confesso que o que toca no meu som é mais ligado a mistura, sabe? Gosto de ouvir artistas que trabalham a partir dele e não só dele =). Do jeito que a vida quer é uma frase leve, pedindo talvez para que não levemos tudo isso (a vida) tão a sério assim... rs

Que compositores você escolheu para fazer esse show?
Sempre escolho primeiro a canção, depois vejo de quem é...rs Quando Perú (Carlos Peru, cuíca e pesquisador do repertório do show) me entregou o disco para a pesquisa desse show, ele me recomendou: 'Ouça como quem tá experimentando óculos... rapidinho, separe os melhores modelos', e foi exatamente o que fiz. Quando vi aquele bolo de canções agrupadas é que fui me aperceber dos autores. No menu, temos Tom Zé, Elton Medeiros, Paulinho da Viola, João Nogueira, Gonzaguinha, Moraes Moreira, Martinho da Vila e mais um tanto. Nada mal,né? kkkk

Que sambas, logo de cara, você viu que não poderiam faltar?
Vou te responder isso, baseada na primeira temporada: O canto das Três Raças e Zé do Caroço.

No Coisa de Preto você não gravou só figurão, colocou compositores então desconhecidos do público. No show de samba vai pescar gente que anda fora da mídia também? Quem?
Basicamente eu mesma hahahahahahahahaha É egraçado por que hoje em dia, as pessoas frequentam shows de música para ouvir o que já conhecem. Parece que perdemos a capacidade de reaprender a ouvir, no sentido de estar aberto a conhecer algo novo.
Coloquei dois ou três sambas meus, mas não entrou "porque é meu" entrou porque tem a ver com o show. Esse show não deixa de ser autoral, porque tem pesquisa e isso sempre deságua em "novidade". Tem samba de 1950 por exemplo, foi chocante pra mim. Mas tem as horas de cantar junto, sim sim sim!!! \0/

Você quer passar alguma mensagem, quer dizer alguma coisa ao público com o show?
Olha, sempre que subo no palco e canto, estou discutindo meu País. Entrou um samba-enredo de 1988(Disputa de Poder) que fala de um Brasil que está aqui, agora. E dentro disso, os temas são variados: comportamento, amor, crença, negritude, trabalho... isso tudo é bom de falar,no palco principalmente. Acho engraçado que nada disso é consciente. Quando vou olhar depois, os temas estão lá. Então, vamos nessa. Samba é canção de guerra. Mas a mensagem do show é provocativa sem ser dura.

A Khrystal 2012 vai ser do jeito que a vida quer ou a vida em 2012 será do jeito que a Khrystal quiser?
Opção dois. Se tu deixa, a vida vai indo sozinha. Isso pode ser bom, mas pode não ser. É bom estar atento e pronto. Eu tô nessa.

Porque o carnaval deste ano vai dar samba?
O carnaval passa muito longe da minha carreira. Uma temporada de samba, não.
Preciso de coerência e sei que não sou uma cantora de baile. No mais, é muito elogio aquele tipo de show e nenhum contrato. Passo o meu reveillon em casa, por exemplo. Cadê o show de carnaval? Os elogios? Não é tão bom? Carnaval é só quatro dias mesmo. Meu trabalho é o ano todo e dentro dele é que arrisco tudo.