sábado, 13 de março de 2010

VOLONTÉ, IRÔNICO E PULSANTE


Foto: Kamilo Marinho (NOVO JORNAL)

O tesão que Volonté tem pela poesia é semelhante ao sentimento despertado em Paul Verlaine pelo poeta francês Arthur Rimbaud. Desejo e admiração mútua na vida e na arte, sem preconceito.

Pois um pedaço desse flerte recheado de ironia é mastigado e apresentado ao público em “Pulsar de Saudade”, o quinto livro do poeta que nasceu Manoel Fernandes de Souza Júnior, mas, como diz a própria orelha da obra assinada pelo escritor Mário Ivo Cavalcanti, “há tempos entendeu que o destino de um poeta é atalhar palavras e interrompeu o próprio nome e sobrenome virando substantivo, adjetivo, personagem único e indivisível”.

O livro foi lançado ontem, um sábado de manhã, véspera do Dia da Poesia, na livraria Poty Livros da Cidade Alta, segundo o próprio poeta, para lembrar os bons tempos em que novas obras mexiam com o imaginário natalense. “Antigamente, a livraria Universitária só fazia lançamentos nos sábados pela manhã. Mas isso na década de 70, e não deixa de ser uma maneira de se resgatar essa idéia. Reunia muita gente”, conta enquanto assina a dedicatória.

A iniciativa de ‘Pulsar de Saudade’ partiu de um grupo de amigos anônimos que Volonté não divulga nem amarrado. Sobre a obra, a define como “uma crítica irônica à modernização que chegou e está totalmente descontrolada com computadores, telefones celulares e internet”, diz antes de completar: “De repente todo mundo hoje faz parte do big brother”.

Na lista de poemas que permeiam as 35 páginas do livro entre uma ilustração e outra de João Felipe estão homenagens de amigos, como o poeta Adriano de Souza, pensamentos, trechos de músicas e sacadas pinçadas no meio da rua, nos botequins ou em casa. Ainda assim, com tudo isso, Volonté e seu ‘Pulsar de Saudade’ podem ser resumidos num único poema.

RESSACA

Aquele amor
nem me fale.

sexta-feira, 12 de março de 2010

ERA BUNDA DE MULHER

Papo vai e cerveja vem com o pagode comendo solto na roda de samba do Arquivo Vivo, em plena quinta-feira de lua no bar de Nazaré, o artista decide confessar ao repórter, já no pós-expediente, o pior momento de sua vida agitada e noctívaga. Uma cena absolutamente constrangedora:

- Rapaz, outro dia comi um travesti sem querer!

Sem querer?

- Sem querer. E o pior é que só fui descobri depois.

A narração descritiva do ato por si só já registrava tremores de 8,5 graus na escala Richter em plena calçada da rua Coronel Cascudo. E o sujeito, olhando para o repórter como quem enxerga um padre na cabine do confessionário, continuou:

- Via aquela bunda dourada tão bonita... não achei nunca que fosse um cara. E fui em frente.

Mas e aí? Não percebeu nem depois?

- Só depois, de manhã, quando fui ao banheiro. Estava cagando de porta aberta quando o traveco passou com uma lapa que me assustou.

Diante da confissão mais que reveladora enquanto Cartola baixava na roda de samba, o repórter, que fazia das tripas coração para segurar um ar de seriedade, fingia tensão diante da história absurda.

E depois?

- E depois que eu saí correndo do banheiro, não limpei a bunda nem nada. Ômi, se tu visse o tamanho da lapa do cara. Agora eu pergunto: o cara precisava ter uma bunda tão bonita como aquela? Tenho dúvida não: era bunda de mulher.

O PIRATA DO BECO



Foto: Hugo Macêdo

Difícil encontrar uma alma sóbria ou bêbada no Beco da Lama que não conheça a figura extravagante do pirata ambulante Tertuliano Ayres. Proprietário do politicamente incorreto selo Capitão Gancho produções, pelo qual amealha uns bons caraminguás vendendo os legítimos e originais CDs piratas após longas pesquisas na internet, Tertuliano é mais um sujeito boa praça cria da sempre altaneira Cidade Alta. Gastador de sola de sapato, solícito e com mercadoria de primeira, um exímio camelô. Na grande bolsa verde, onde carrega os discos, vai junto também o afiado caderninho, sempre pronto para fazer mais uma vítima. Terto é daqueles vendedores que pechincha antes do freguês. Quando você menos espera, já ganhou um bom desconto além de poder pagar a prazo, só encerrado no dia em que freguês e vendedor se reencontram na mesa de um boteco qualquer do Beco.

Foi assim que, por exemplo, numa tarde dessas, devidamente acomodado no segundo tamborete do balcão azul de Nazaré, minha discografia pirata ganhou mais seis encomendas. Benito de Paula, Jamelão, Noite Ilustrada, Arlindo Cruz, Roberto Ribeiro e Leci Brandão foram parar lá em casa depois de cinco minutos de conversa. A encomenda de mais dois volumes com as musas do samba, que devo capturar qualquer dia desses, provavelmente em Nazaré, entrou para a lista do futuro.

Nesse meio tempo, entre uma olhada e outra no repertório do sebo ambulante, uma revelação. O manda-chuva do Capitão Gancho produções, que aposentou o copo há alguns bons anos, disse que não vende CDs de artistas da casa. Com exceção do disco do Cabrito, personagem que veste (e investe) o intérprete erótico das próprias composições e fazem uivar solteiras, amancebadas e casadas da noite potiguar, o restante dos músicos do RN não entra no repertório ambulante.

É que na visão de Tertuliano, seria constrangedor vender as discografias dos nossos artis-tas num ambiente em que o autor também estivesse vendendo a própria obra. Assim não arruma briga nem confusão e, sem peso na consciência, segue a vida à caça de quem se deleita com as pesquisas que lhe tomam hoje a maior parte do tempo. Coisas de Tertuliano no paraíso do Beco da Lama.

Dito isso, saí do botequim direto para a casa de macumba (vulgo artigos religiosos) que fica ali na esquina do Beco com a rua coronel Cascudo. Pedi um pacote de vela branca e corri para casa. Acendi a primeira em homenagem a Carlos Cachaça, repeti o gesto saudando Noel, Jovelina Pérola Negra, Ataulfo Alves e assim sucessivamente até completar as 12 discografias originais que ainda pretendo encomendar com o pirata do Beco. De pé, com as mãos cerradas, depois de todas as velas brancas acesas, um único pedido:

Por favor, fiquem onde estão...