
O escritor e pesquisador paulista, Mário de Andrade, resolveu saber como andavam as coisas por aqui em 1928. Até então, trocava cartas com Luís da Câmara Cascudo, mas só foi conhecer o folclorista quando decidiu gastar o solado do sapato nessa terra de Poti. Soube, pela coluna dominical do Woden Madruga que foi parar na lista do Beco da Lama, que hoje, 15 de dezembro, a passagem de Mário de Andrade pelo RN completa 80 anos.
E de tudo o que o pesquisador escreveu sobre a viagem, relatada no livro “O Turista Aprendiz”, vale lembrar o encontro com o embolador de coco Chico Antônio. Dizem as línguas mais ferinas que Mário se encantou mais pela arquitetura física do artista que propriamente pelo som da embola. Mas isso é outra história.
O que me trás ao meio da rua nesta segunda-feira é a certeza cega de que os artistas da cultura popular são verdadeiros heróis num mundo amnésico. Mesmo registrado pela caneta de Mário de Andrade, Chico Antônio precisou ser descoberto duas vezes!! Depois da visita do pesquisador paulista, o coqueiro voltou ao limbo. Nem Cascudo, vejam só, demonstrou interesse em conhecer mais da história do artista.
Chico Antônio só voltou à cena 50 anos depois. Dessa vez pelas mãos do folclorista Deífilo Gurgel que, em 1979, resolveu mapear a cultura popular do litoral norte e sul do Estado. E acabou encontrando, sem querer, o famoso embolador de coco que fez Mário de Andrade sorrir.
Tive o prazer de refazer boa parte dessa viagem com Deífilo há dois anos quando ainda trabalhava no caderno VIVER, da Tribuna do Norte. O pesquisador queria rever os personagens que registrou no final dos anos 70 e saber que manifestações culturais resistiram com o tempo.
Ao chegar em Pedro Velho, município onde Deífilo e Chico Antônio se encontraram no passado, pedi ao folclorista para relembrar o momento. Eis o relato na íntegra, ainda emocionado, depois de quase 30 anos:
- O engraçado é que parece que nem Cascudo sabia dele, apesar de ter acolhido Mário de Andrade naquele tempo. Mário ficou encantado por Chico, acabou até convidando ele para se apresentar em São Paulo, mas não deu certo porque Chico desistiu. Mas no meu caso, o descobri por caso, numa das visitas que fiz a Pedro Velho. Em 1979, quando fui para a Fundação José Augusto, resolvi fazer um levantamento das danças no RN, o mesmo roteiro que estamos fazendo agora. E em Pedro Velho, depois de falar com algumas pessoas, estava me despedindo do tabelião Genar Bezerril quando ele me disse que na cidade existia um embolador de coco muito bom. Quando perguntei o nome do rapaz e ele me respondeu Chico Antônio, quase caí para trás. Fomos até o sítio onde ele estava e comecei a lhe fazer perguntas para me certificar de que era o mesmo Chico de quem Mário de Andrade havia falado. Depois que ele disse que tinha morado no sítio Bom Jardim, quis saber algumas coisas que estavam escritas no livro “O turista aprendiz”, onde Mário descreve esse encontro. Até que, por fim, lhe perguntei sobre alguma pessoa importante que esteve conversando com ele há muito tempo. E ele respondeu: “Lembro sim, doutor. Foi o seo Mário de Andrade”. Aí foi outro choque, era o Chico Antônio!
3 comentários:
Em uma época onde as informações são tantas e tão rápidas e mais "fácil" que bons nomes sejam esquecidos, acho que por isso mesmo não devemos deixar morrer histórias de pessoas boas como essas.
Rafa parabéns, vc continua com o texto afiado. Muito bom ler vc de novo. bjs
Até q enfim apareceu para conhecer o meio da rua, hein dona Hayssa? Seja bem chegada nessa casa cheia de histórias personagens humilíssimos. É o meio da rua, onde a vida acontece de verdade. E de mentira também. Bjs.
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