quarta-feira, 22 de abril de 2009

ANSELMO, O DETALHE DA GUERRA



Numa guerra, a vitória nem sempre está na contagem final dos mortos e feridos. A mesma coisa é numa partida de futebol: nem sempre vai estampada no placar. Às vezes você não vê, mas com certeza sente. Um drible, um lançamento perfeito, um lance qualquer que saia do trivial pode valer o ingresso no campo ou todas as cervejas geladas consumidas no buteco que você escolheu para ver a partida. Se a vitória vier nos números melhor ainda, mas é o que menos importa. Um exemplo fundamental disso tudo é aquele drible antológico do Pelé no goleiro uruguaio pela semifinal da Copa de 70. Não foi gol. Graças aos deuses da bola. Se o Pelé mete aquela bola pra dentro o mundo, hoje, falaria de um golaço e, por isso, tiraria o brilho de um drible simplesmente fantástico. E mais: era o reencontro das duas seleções depois do famoso Maracanazo, em 1950. Os 3 a 1 do placar eram insignificantes perto da monumental jogada do rei Pelé.

No ano 2000, no bi campeonato conquistado pelo Flamengo sobre o Vasco, os cruzmaltinos venceram a taça Guanabara. E de forma humilhante aplicaram um sonoro 5 a 1. No final da partida, Pedrinho, em início de carreira, resolveu fazer graça. Sozinho, sem marcação, levantou a bola e começou a fazer embaixadinhas. A provocação, claro, revoltou os rubro-negros, que partiram para cima do cara. Beto, que mais tarde receberia da própria nação rubro-negra a alcunha de Beto Cachaça por conta da freqüência com que era visto acompanhado da marvada, foi um dos jogadores que precisou ser contido na confusão. Veio o segundo turno, o Flamengo se arrumou, levou a Taça Rio e chegou para a final como coadjuvante. A vingança veio, pois, em doses homeopáticas, e fomos bi campeões cariocas. Na soma dos placares dos dois jogos da final deu Flamengo 5 a 1 (3 a 0 no primeiro, e 2 a 1 no segundo). Mas havia um detalhe: a fatura não estava paga no placar eletrônico. Aos 38 do segundo tempo, sozinho e sem marcação, Beto, aquele mesmo da confusão com o Pedrinho, ergueu a pelota com o pé direito e, com a mesma moeda, devolveu as embaixadinhas para o êxtase e o delírio de milhões de rubro-negros.

Por fim, só para fechar nos três exemplos em homenagem ao tricampeonato que virá lembrei essa semana, vendo o jogo do Palmeiras com o Santos, de uma história incrível que aconteceu na final da Libertadores de 1981, conquistada pelo Flamengo. Naquela época, se as duas partidas da final terminassem empatadas, a nêga vinha no terceiro jogo, marcado em campo neutro. Pois Flamengo e Cobreloa, do Chile, venceram uma partida cada (2 a 1 e 1 a 0). E um terceiro jogo foi marcado para o estádio Centenário, em Montevidéo, no Uruguai. No entanto, além do título, havia outra conta a acertar entre as duas equipes.

Isso porque no jogo da volta, no Chile, o Flamengo foi literalmente caçado em campo. O Cobreloa tinha um zagueiro chamado Mário Soto que jogou toda a partida com uma pedra na mão para acertar os jogadores rubro-negros. Vários atletas voltaram com o rosto riscado para o Brasil. Mas a terceira partida decidiria, enfim, quem levaria o caneco para casa. A vitória veio tranqüila com dois gols do Galinho Zico. Estava liquidada a futura? Ainda não. Faltava um pequeno detalhe. No final da partida, o técnico Paulo César Carpeggiane chama o Anselmo, atacante grande e forte que estava no banco, e lhe dá uma única ordem: pega o Soto.

Nenhum jogador de futebol cumpriu tão bem uma missão em campo como Anselmo naquela partida. Andando, o negão foi ao encontro de Mário Soto e sem dizer uma única palavra aplicou-lhe um murro no meio da fuça. Também sem qualquer outra pretensão na partida, o atacante rubro-negro se dirigiu para fora do campo e nem esperou o cartão vermelho. Confusão instalada, o nosso grande ídolo vingador Anselmo ainda conseguiu a expulsão de outros dois chilenos. Como disse o Ruy Castro, no livro “O Vermelho e o negro – pequena grande história do Flamengo”, foram os melhores 30 segundos de um jogador pelo Flamengo. Desde que ouvi essa história da boca do meu pai, que sempre faz o relato com os olhos brilhando de felicidade, descobri que a vitória é apenas um detalhe numa guerra. Uma guerra que, só o futebol, é capaz de transformar num final feliz. Rubro-negro, é claro.

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