Já havia trazido para cá um texto desse grande brasileiro chamado Luiz Antônio Simas. Um botafoguense que entende de futebol, macumba e samba. Tratava-se, na época, de um perfil de um dos grandes sambistas desse país, intérprete de mão cheia, que atende pelo nome de Demerval Miranda, mais conhecido pelo pseudônimo, Roberto Ribeiro. Agora, andando pela calçada do genial blog histbrasileiras.blogspot.com, Simas me aparece com essa oração, prece, culto, seja lá que nome que se dê a essa junção genial de palavras que, mais uma vez, e com o devido crédito, divido com vocês. Neste momento em que escrevo falta 1 hora e 37 minutos para a estreia do escrete verde-amarelo. Abaixo, tudo aquilo que a partida de logo mais representará para todos nós.
O MANTO AMARELO DOS EGUNGUNS
Não, não e não, mil vezes não. Não torcerei na Copa do Mundo pelos minúsculos kaka, dunga, kleberson, robinho, felipe melo, josué e demais guardiões das muralhas de Jericó. Sinto muito, mas por esses eu não torço. Nem tampouco torcerei pela marca esportiva, pelos bancos, cervejas e guaranás, patrocinadores da entidade que comanda o nosso futebol de um jeito que faz a Camorra parecer a Associação Cristã de Moços.
Mas eu torcerei [e como torcerei, meu pai] pela camisa amarela - que já foi branca e vez por outra azulece- e suas tantas estrelas; de número igual as do cruzeiro que Diogo Cão viu no céu ao cruzar o equador, pouco antes de aportar no gigantesco Congo.
Torcerei porque ela, a camisa, é feito manto de santo, vestimenta de orixá, cocar de caboclo, capa de exu, terno de malandro, roupa de marujo e farda de capitão de guerrilha - estandartes da terra que eu amo.
[Que o pastor jorginho não nos ouça, mas jogador do escrete, quando não é o próprio Deus encarnado, como o crioulo Edson Pelé, é feito cavalo de santo - mero instrumento do mistério que nos fez povo, nas fronteiras da bola.]
O manto canarinho esconde segredos e é terrível para os mortais, sucumbidos ao seu peso de toneladas de histórias. É feito o aze de palha da costa do deus da varíola, a quem agora canto nesse opanijé fora de hora: Atotô, Ajubero! Proteje essa seleção, que não te conhece e te rejeita, nas esquinas do teu continente negro.
Laroiê, Elegbara! Te peço um milagre, que rogar não custa: tem como conceder, zombeteiro, àquele bando de carolas que te acham o demônio, o poder e a ginga do teu jogo de malandro, dono dos dribles mais desconcertantes? Não tem, né... Era você, meu compadre, que baixava nos gramados no corpo do teu cavalo Manoel, o passarinho Garrincha, e dava a volta ao mundo com a bola no pé, como Mangangá bailava na roda de capoeira ao toque de São Bento Grande.
Ela, a farda canarinho, [amarrotada, vendida, bonita, feia, diferente, moderna, tradicional, mal trajada, rota, suada, intacta...] é alma que vaga na hora grande, assombração no Recife Velho, dança de pretos mortos na Pedra do Sal, entidade encantada nas esquinas africanas do Brasil e nas vielas brasileiras da África mãe. Por isso - por ela - eu torço, reverente.
A camisa-entidade é folha de mariwo, baobá de tronco forte, bandeira cravada no Humaitá, canário da terra, pomba do Divino, lança de caboclo, lançamento de Didi, bala no peito de Marighella, bola no peito de Pelé e gol...
A amarelinha, quando adentra as quatro linhas, é a veste enfeitiçada de panos coloridos dos Egunguns, ancestrais conduzidos pela senhora dos ventos, a dona dos nove espaços dos gramados, Orum onde forjei minha maneira de sonhar o Brasil, vento da minha mãe, búfalo da floresta.
Bate no chão teu ixan sagrado! Bate e traz todos eles, Oyá, traz todos eles, Iansã, arrepia o vento dos Egunguns bailando com mil bolas, que é por eles que eu rezo e torço, como faço desde menino:
Chama Friedenreich; chama Marcos Carneiro de Mendonça; chama Leônidas; chama Preguinho; chama Fausto; chama Domingos da Guia; chama Danilo; chama Ademir Queixada; chama Zizinho; chama Barbosa; chama Friaça; chama Castilho; chama Everaldo; chama Vavá; chama Didi; chama Heleno; chama Tesourinha; chama Orlando Peçanha; chama Mané Garrincha; chama Mané Garrincha; chama Mané Garrincha; chama, chama,chama...
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