
Cheguei a guardar distância de velórios e sepultamentos. Os familiares que já foram a oló me perdoem, é coisa minha. Nunca soube, na vera, se tinha a ver com a tristeza, o choro das carolas, o cheiro das flores ou com as próprias lembranças do passado. Meus avós, por exemplo, de quem ainda conservo agudas saudades, partiram sem a última despedida do neto desnaturado. Me penitencio agora mesmo sem mostrar arrependimento.
O cenário só mudou quando o Jornal Nacional anunciou, em 2005, a morte de Bezerra da Silva, sambista pernambucano que cantava o Brasil do jeito dele, cevado no bom humor. Fazia dos dramas e tristezas da vida uma grande piada. Ironia fina, como exigia a malandragem de antigamente.
Para minha surpresa, a reportagem que narrou o sepultamento do ritmista mostrou tudo aquilo que seo Bezerra era em pessoa: alegria. Em vez do choro, o sorriso. No lugar do lamento, uma roda de samba. Na vaga das lágrimas, muita cerveja gelada. De improviso, amigos, fãs e músicos da melhor qualidade se despediram de seo Bezerra do jeito que, provavelmente, o menestrel gostaria que fosse o último dia.
E desde então, paradoxalmente feliz da vida, passei a defender aos amigos mais chegados que, quando chegar a hora, que seja também regada a um bom samba e à cerva estupidamente no ponto.
Passaram-se os anos e o jornalismo, que também entrou para a família como um irmão mais novo, se encarregou de encerrar minha bronca com o funéreo. Por dever do ofício, cobri passeatas em favor de parentes mortos, cortejos, velórios, homenagens póstumas, missas de sétimo dia e enterros. De gente rica e pobre. Da grã-finagem à malandragem. Do Morada da Paz ao cemitério do Bom Pastor.
Semana passada, acabei encerrando os trabalhos da sexta-feira aqui pelas bandas da Ribeira. No roteiro, a tradicional passada pelo Buraco da Catita, casa que reúne chorões, sambistas, gente interessada em música e, principalmente, em gente. De uma hora para outra, um panfleto que passava de mão em mão me remeteu ao bloqueio dos funerais do passado. Falava o papel da quarta edição de um tributo a Bezerra da Silva.
O evento, marcado para dali a alguns instantes, prometia sacudir um beco mal iluminado que serve hoje de mictório extraoficial da Catita. Para entrar, bastava passar por um pano amarrado a um cordão, evidentemente preso ao muro do beco, e pagar cinco pratas. Entramos eu e o amigo Valdir Julião, patrimônio histórico da humanidade e da Tribuna do Norte.
Pouca gente no pagode do seo Bezerra embora a banda se esforçasse para que o preto velho baixasse no mafuá. Não sei se foi a cerveja, mas a noite foi ficando estranha. De uma hora para outra, a malandragem deu um tempo e a segunda banda subiu no palco. Do samba a coisa descambou para o heavy metal. Enterraram seo Bezerra na minha frente. Ninguém sorriu. O trauma voltou.
Nenhum comentário:
Postar um comentário