O fim do ano transforma o Centro de Natal num caos hilário. As calçadas viram corredores humanos de até quatro mãos com os camelôs apertando o passeio e ganhando a vida e boa parte da clientela das lojas. Ninguém se entende e todo mundo se dá bem ao mesmo tempo. E isso sem falar que se a correria é contra o tempo, também é a favor do sol, estrela maior que incita o mais inibido dos mortais a tomar aquela cerveja geladíssima no balcão do botequim mais próximo.
Mas há, também, quem apenas passe como passam as nuvens, como disse uma vez aqui o seo Arnaldo, ou pare para ver, como na semana passada, um grupo de teatro de rua sedento pelos aplausos e as moedas do respeitável público da Rua João Pessoa, próximo ao histórico Grande Ponto.
No meio dessa muvuca, conheci o seo Corsino. Figura simpática, 76 anos de estrada. Ia comprar uma pipoca para assistir ao espetáculo quando, na hora de pagar a conta, sacou uma nota de 1 cruzeiro da carteira. De olho, vi que o distinto bom velhinho trocou as bolas mas, no fim, com a estranheza do pipoqueiro, acertou tudo na boa. Olhei para o lado, encostei e puxei conversa.
Fiquei constrangido em perguntar sobre a nota. Nesses tempos insanos, qualquer um imaginaria um assalto. Mal sabia eu que nessa história de assalto, seo Corsino é vacinado. Fui em frente:
- O senhor tem uma nota de 1 cruzeiro na carteira?
Ele olhou meio assustado, sorriu em seguida e me narrou a seguinte pérola, como se eu fosse um velho conhecido:
“Ih, rapaz, tenho sim. Mas tinha muito mais. Mais de 30 até. Guardava tudo na carteira. Até que um dia fui assaltado. Estava na avenida Bernardo Vieira, tinha acabado de chegar de uma viagem. Vinha carregando uma Valise com roupa, tudo. Desci do taxi quando dois rapazes e duas moças (notem a elegância com que o seo Corsino chama os vagabundos) me roubaram tudo. Um deles perguntou se eu tinha dinheiro e disse que estava liso. Aí quando ele abriu a carteira e viu aquele tanto de nota, ficou furioso: ‘Seu velho safado, você não falou que não tinha dinheiro! Olha a grana que tem aqui, porra!’ Eu pedi pelo amor de Deus que ele não me matasse porque aquilo tudo era nota antiga, expliquei que fazia coleção... mas mesmo assim o rapaz levou tudo. Até hoje acho que aquele taxista que me pegou no aeroporto tinha alguma coisa a ver com aquele assalto”.
Das mais de 30 notas da coleção de seo Corsino, sobrou apenas a de 1 cruzeiro que quase ficou com o pipoqueiro. Não lembra detalhes sobre a nota nem como a conseguiu. Sabe que apenas guardou. Pesquisando, descobri que a nota de 1 cruzeiro, com a efígie da República, é de 1980. Provavelmente, uma das mais novas da coleção levada pelos vagabundos da Bernardo Vieira.
Grande figura, o seo Corsino. Mais um personagem do Centro para a coleção do Meio da Rua.
Um comentário:
Grande Rafael! Depois de um pequeno sumiço, voltei pro meio da rua, que é também minha casa!!!
Mas é bom demais encontrar figuras como o Seo Corsino!
Abraço, e "tamo aí na área"!
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