terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

AS DUAS SENHAS

Lembro de uma das vezes em que fui com meu pai a um buteco em Ponta Negra. Era, na verdade, uma Cigarreira, instalada numa pracinha do Conjunto, uma região do bairro. A Cigarreira, mais pra frente falarei sobre isso mais aprofundadamente, é um dos símbolos do natalense. Assim como a Fortaleza dos Reis Magos, o Morro do Careca e Câmara Cascudo. Não há outro lugar do mundo em que uma banca que nasceu para ser de revistas tenha sido batizada de Cigarreira, mas seja, de fato e simplesmente, botequim.

Comandada no atendimento e na cozinha pelo Zezinho, grande figura humana, abcedista e rubro-negro, o buteco reunia uma clientela boa que segue firme em outros botequins que nasceram por ali depois que a prefeitura mandou acabar com a festa da turma do Zezinho. Desempregado, se uniu ao pai numa barraca na praia – que hoje a modernidade teima em chamar de quiosque – e desde então não tenho mais notícias da figura.

Mas o motivo dessas mal-traçadas foi uma situação vivida na Cigarreira do Zezinho. Lembro como se fosse hoje, até pelo susto da cena. Além do meu pai, haviam mais três ou quatro caras na mesa. E em cima dela, a mesma quantidade de cervejas, todas cheias. Achei aquilo estranho. Todos sentados à mesma mesa, conversando o mesmo papo, mas cada um bebendo sua gelada. Perguntei, depois, o porquê:

Por causa da conta. Dá problema. Sempre aparece um que não quer pagar no final, aí alguém se dá mal.

Vivendo e aprendendo. Na época, isso deve fazer uns sete anos, achei de uma frieza incrível. Como é que as pessoas se tratam assim logo num buteco, onde deveria ser justamente o contrário? Acabei sentindo na pele que, às vezes, é preciso frear a inocência e abrir o olho. Não é todo mundo, mas de tanto observar você acaba conhecendo os pilantras.

Na primeira ou segunda vez em que eu e Ana estivemos no bar de Nazaré, na Cidade Alta, chegaram duas figuras na mesa. O modus operandi é sempre o mesmo: o cara chega devagar, te cumprimenta como se fossem velhos amigos, fica um tempo em pé conversando até você, incomodado com aquela conversa de cima pra baixo, oferecer a cadeira. Os que têm o coração mole acabam soltando a senha:

- Vai um copinho?

Pronto. É o suficiente para o malandro se abancar e ir secando um copo atrás do outro. Se brincar, pede o cardápio e sugere alguma coisa para beliscar. Dessa vez, em Nazaré, não chegou a tanto. Eu que não escutei o conselho do meu pai e passei a calcular a conta com base nas cervejas que eu e Ana bebemos nem imaginava que tinha sido “o escolhido”. Por pouco tempo. Quando comecei a sentir que ia dar merda, já que um dos caras tinha saído dizendo que ia pegar não sei o quê não sei aonde fazia mais de quarenta minutos, sugeri que era hora de pedir a parcial. E essa, meus amigos, é a segunda senha. Você percebe que vai tomar um calote quando a figura se mexe na cadeira ou resolve olhar para trás como se procurasse desesperadamente um álibi. Aí quando não dá certo, o cara é capaz de desculpas como a que ouvi antes de morrer, sozinho, na conta daquela tarde:

- Preciso pegar meu filho na escola.

Depois dessa, comecei a sentir umas dores no pescoço quando vou ao Beco da Lama. Olhar para cima cansa, mas é aquela coisa: sai bem mais em conta.

3 comentários:

Ana Paula Costa disse...

O bom mesmo é não dar nome aos bois... A sorte é que Nazaré aceitou que parte da conta fosse paga depois, por já conhecer a figura....hehehe

Sérgio Vilar disse...

O Beco é ruim por essas e outras e é ótimo por outras e essas.

Armando Miranda disse...

Mas qual frequentador sde buteco ão tem uma história dessa pra contar!!!