Na minha rua tem um doido. Desses que você olha e diz sem medo de errar: “esse cara é doido”. Maltrapilho, o doido carrega, num saco de estopa desfiado, as roupas velhas rasgadas que veste no dia-a-dia, embora pareça vestir sempre a mesma coisa. Mas a característica principal que faz do doido um doido autêntico é a maneira como aborda alguém quando quer alguma coisa. Sempre gritando. No início, pensei que fosse apenas na casa da frente, onde mora uma velhinha moca. Com ela, realmente, é só no grito mesmo. Mas o ritual se repete em toda a vizinhança. E isso assusta o povo. Um dia desses, o doido veio pedir um copo d água aqui em casa. Minha vontade era de pegar um pau de dar em doido que Ana guarda lá na despensa.
Quando o vi pela primeira vez, enquanto o caminhão da mudança descarregava os móveis em casa, imaginei como devia ser Bob Marley quando decidiu deixar a cabeleira à vontade para seguir o rumo que quisesse. Aos poucos, fui percebendo que o doido é, na verdade, uma espécie de doido de estimação da rua. Ninguém mexe, ninguém diz nada e o doido também não reclama. O doido adotou a rua e a rua adotou o doido. Já dormiu em todas as calçadas, já pediu em todas as casas. E não pede dinheiro. Mas grita por água, sabonete e, principalmente, café. Às vezes passa uns três dias, até uma semana sem aparecer. Mas logo logo está de volta.
A última vez que fui ao teatro, assisti "Pobre de Marré", com Titina Medeiros e Quitéria Kely, e direção de Henrique Fontes. O roteiro segue a vida dessas pessoas que a gente chama, sem medo de errar, de doidos. Uma gente abandonada pela família, pelos governos, às vezes até por elas mesmas. Na trama, duas doidas de rua se encontram e inventam histórias uma para outra. É mais ou menos o que Cazuza costumava chamar de mentiras sinceras. Quem conta, acredita que está falando a verdade. Nunca falei com o doido da minha rua. Mas deve ser por aí.
Mas o meu doido de estimação não é a única figura estranha da minha rua. Quando nos mudamos, logo nos primeiros dias fui à caça de um buteco que vendesse cerveja. Descobri duas bodegas. Dessas que vendem tudo. Numa delas, onde a Skol é mais barata, manda um sujeito chamado Pedrão. O cara é grande. Olhos verdes bem arregalados, voz rouca e grossa. Ele também tem cara de doido. Mas esse acho que não: o Pedrão parece mesmo é com o Gigante da história do João e o Pé de Feijão.
2 comentários:
Todos nós temos um "que" de doido, em algum momento! kkkkk
Ele só podia feder menos um pouquinho...
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