
Candeia foi um dos grandes sambistas desse Brasil. Foi é maneira de dizer, né? O cara está vivo, porra! Como estão também nessa mesma esteira Cartola, Nelson Cavaquinho, Paulo da Portela, Silas de Oliveira e uma porção de gênios que à luz dos dias de hoje fazem parte de um passado cada vez mais presente na memória daqueles que não deixam o samba morrer.
Li no blog botequimdobruno.blogspot.com, assinado pelo jornalista Bruno Ribeiro, um carioca bom de samba radicado em Campinas, uma entrevista do Candeia para uma rádio, em 1975. A conversa estava inédita até então e faz parte do acervo particular da Cristina Buarque. Bruno publicou no blog a primeira parte da entrevista transcrita, “na unha”, pelo amigo, pesquisador e sambista Renato Martins.
O papo é um grande achado, uma senhora aula de cultura popular, de história e educação brasileira. Pincei um dos trechos sensacionais da entrevista. Incitado a falar de Escola de Samba para iniciantes, Candeia conta que soube da história de uma menina que não sabia nada sobre Dom João VI, mas tirou 10 numa prova porque lembrava de cor a letra de um samba enredo que ele escreveu para a Portela, em 1957. O samba é cultura, malandro. E da boa. Deixo, agora, vocês com o mestre Candeia:
“... Escola de Samba é uma manifestação artística popular. E é necessário até que façamos uma comparação. Eu diria que ela difere um pouco do que foi no passado. Antigamente ela era muito mais artística popular. Atualmente ela é artística de consumo popular. É diferente. Essa é a grande verdade. Mas a escola de samba é formada, em sua maioria, por aquele homem humilde, o sambista que vive do povo, que faz as coisas para o povo. Escola de Samba é um centro de grande força de brasilidade, acima de tudo. A Escola de Samba canta as coisas nossas, os nossos temas folclóricos, os nossos temas literários, os nossos temas históricos... Eu posso dizer pra você até o seguinte: aconteceu uma passagem certa ocasião em que a filha de uma vizinha de onde eu já morei, certa vez, uma professora na escola pediu para que ela fizesse um trabalho sobre, se eu não me engano, Dom João VI. E ela não estava preparada, mas, entretanto, ela sabia um samba meu, que foi um enredo na Portela em 1957. Então, por ela saber o samba, ela conseguiu tirar nota dez. Eu nunca mais esqueci isso, porque eu achei muito bacana. A garota acabou utilizando toda a letra do samba no trabalho de redação escolar. E a professora, talvez por desconhecer esse detalhe, julgou que aquilo tivesse sido criado na hora. O que eu achei interessante foi a perspicácia dela. Isso só vem provar o quê? Que a Escola de Samba é exatamente isso. Vejamos o seguinte: os enredos que as Escolas de samba levam pra avenida, tem sido algo maravilhoso em termos de cultura popular, de cantar as nossas coisas, enfim, de mostrar o que é o Brasil. Talvez seja um dos poucos centros, um dos poucos redutos, assim como entidade, que fale em Brasil e que seja apolítica. Escola de Samba não tem nada de política em si. Ela canta porque ama essa terra, porque vive essa terra e procura se encontrar nessas nossas coisas, dando-se um exemplo de significado de brasilidade, acima de tudo”.
Quer ler a entrevista toda? Então vai conhecer o botequimdobruno.blogspot.com
3 comentários:
Candeia é sempre Candeia... Só descordo quando diz que a Escola é apolítica. Mas isso hoje não é mais verdade. Vejamos quantos milhões a prefeitura de Natal ofereceu ao Salgueiro para que cantassem nossas belezas...
Rafael, grande achado cara! Relíquia mesmo! E viva Candeia!!!
Mas era, Ana. A entrevista é de 1975! Nessa época malandro era malandro e mané era mané. Hoje mudou tudo. Lembra da Vila Isabel campeã com a grana do Hugo Chávez? Esse mesmo do Salgueiro que você lembrou e, para mim, o pior deles: a mangueira homenagear o frevo no ano do centenário do Cartola. É por essas e outras que nós não podemos deixar o samba morrer!
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