sexta-feira, 23 de setembro de 2011

O PCC da minha mãe

Publicado hoje no NOVO JORNAL

A primeira história de violência que escutei na vida foi narrada por minha mãe. E as mães, vocês sabem, são engraçadas: riem do nosso primeiro choro para depois declarar amor incondicional pelo resto de nossas vidas.

Na inocência dos meus três para quatro anos, dona Sônia contava uma das intermináveis historinhas do Sítio do Pica Pau Amarelo ao pé da cama quando, em meio a uma luta incansável contra o sono, revelou a existência de um personagem então desconhecido até por Monteiro Lobato: Narizinho Arrebentado.

Não tive dúvidas: a Cuca era culpada. E enxerido, sem ligar para o abrir e fechar de olhos da mamãe, insisti para saber o grau da brutalidade de que havia sido vítima a pobre menina.

- Arrebentado quanto, mamãe?

Dona Sônia me olhou como se acordasse de um sono profundo e, acredito que em desespero por não ter conseguido me fazer dormir até aquela hora, perguntou do que eu falava:

- Você disse que a Narizinho estava arrebentada, mamãe! Arrebentada quanto?

A gargalhada que ouvi depois da pergunta foi um balde de água fria para quem esperava detalhes com requintes de crueldade do espancamento de uma garotinha indefesa pelo vilão da história.

Antes que eu tivesse um pesadelo, me contou que havia se enganado e que, a partir dali, escutasse sempre ‘Arrebitado’ toda vez que o nome da irmã do Pedrinho aparecesse na história.

Voltei quase 30 anos no tempo porque lembrei daquela noite semana passada. Na sexta-feira, acompanhei da redação as notícias que che-gavam dando conta que ônibus haviam sido incendiados no meio da rua.

Enquanto as informações falavam em dois e três veículos, tudo bem. Mas com o passar das horas e o número subindo, a preocupação aumentou. A gota d´ água aconteceu com o oitavo ônibus queimado. Liguei pra casa:

- Fiquem aí. Não é nada, mas já queimaram oito ônibus na cidade, um prédio pegou fogo e estão falando em arrastões. Então, tomem aquela cerveja em casa mesmo, ok?

Meu pai perguntou quem tinha feito aquilo tudo:

- Estão dizendo que é o PCC..., respondi.

Depois de desligar, foi contar a notícia a dona Sônia. Seo Francisco, segundo ela, resumiu tudo ao Centro de Natal. E como só passa ônibus em três ruas daquele pedaço da cidade, imaginou a Cidade Alta virada de ponta a cabeça. O molho da história veio quando soube que os crimes haviam sido cometidos pelo PCC:

- Meu Deus, Francisco! Incendiaram oito ônibus por causa do Plano de Cargos e Carreiras!? Essa prefeita não pagou de novo?! Meu Deus do céu, não tem jeito pra essa cidade...

Minha mãe, entendam, achou que, revoltados por mais um calote da prefeitura, o povo detonou uma revolta popular. E diante da mais pura imaginação, só restou ao seo Francisco explicar que PCC não tinha nada a ver com salário e que, dessa vez, Micarla era inocente.

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