segunda-feira, 17 de outubro de 2011

A imprensa e a Copa: estupra, mas não mata

A história diz que o Brasil foi colonizado pelos portugueses. Do mar, a bordo daquelas caravelas enormes, os descendentes de Maria enxergaram uma terra, desceram na praia, encontraram um povo, hipnotizaram os caras, comeram as mulheres, cercaram os terrenos e tomaram conta de tudo.

Simples assim. Como se aqui não existisse ninguém. Ou melhor, como se os que moravam aqui vivessem sob as leis de fora e a porção de terra invadida fosse tão somente uma extensão da casa do Manoel.

Para cá, também contam os livros, o rei de lá mandou toda qualidade de gente. De uma tacada só fez um rapa na família e na cadeia. E ganhamos de brinde uma rainha doida de pedra, bandidos perigosos e ladrões de galinha. Não é nada, não é nada, pode vir daí a raiz do porquê ‘dorme a nossa pátria mãe tão distraída sem perceber que é subtraída em tenebrosas transações’.

Pela cronologia histórica, mais de 500 anos foram para o saco. Mas o óbvio ululante é que nada de fato mudou. Esse mesmo Brasil que já foi dos índios e de Portugal, que já foi Império até virar República; essa terra que já dormiu duas vezes com a ditadura e acordou um dia ao lado da democracia; esse país que canta de galo porque é do futebol está sendo entregue, em papel de presente, a Fifa.

As privatizações ensaiadas por Collor, efetivadas por Fernando Henrique e ratificadas por Lula e Dilma Rousseff (apud aeroporto internacional de São Gonçalo do Amarante) são café pequeno perto do comportamento do governo para receber a festa da Copa por um mês.

Todos os 12 estádios já estão mais caros do que o prometido. Monstros serão erguidos onde não há sequer tradição de futebol. O Palmeiras, por exemplo, está construindo uma arena própria com verba 100% privada que vai custar mais barato que todos os estádios para a Copa onde a verba pública está rolando solta.

Os governos federal, estadual e municipal vendem a ilusão de que estamos fazendo um evento para, enfim, construir o Brasil, quando o mínimo de planejamento nos orienta a terminar a casa para poder receber qualquer festa.

Não satisfeita, além da farra, e para delírio da imprensa que torce e, por isso, distorce ou esconde a maioria das informações, a Fifa quer mandar também na casa. E tal qual fizeram os portugueses quando cá estiveram pela primeira vez, enxergou uma terra, desceu na praia, encontrou um povo, hipnotizou os caras, comeu as mulheres, começou a cercar os terrenos e vai tomando conta de tudo.

Depois da Fifa e do presidente da CBF Ricardo Teixeira, agora é o ministro dos Esportes Orlando Silva quem se vê na obrigação de dar explicações sobre corrupção no governo. A relação da Fifa com o Brasil é um caso clássico de estupro. Uma violência política, um atentado à autonomia do país. A imprensa festiva aplaude para garantir o ingresso e não perder nenhum lance. É cúmplice e hipócrita. Estupra, mas não mata. É da jogada ensaiada que sai o gol.

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