quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

MEU GARÇOM



No dia em que meu copo secar de vez, espero ser recebido por um garçom. No céu, no inferno ou em qualquer outro buraco para onde meus pecados me levarem. Nada de São Pedro ou um desses anjinhos são-paulinos tradicionais. Tem que ser um garçom de respeito. Vestido de branco, mas sem aquela miserável gravatinha borboleta. Tem que ser garçom de botequim. Caneta bic na orelha, gola amarrotada e um pique de fazer inveja a qualquer corredor da São Silvestre. Não precisa nem ser homem. Detalhe infame. Garçom não tem sexo. E discutir o sexo dos garçons deve ser aquela velha lenga-lenga de sempre. Há outro detalhe fundamental: além do garçom, aquele lance de harpas e trombetas também está fora de cogitação. Tem que ter samba. Cartola ou Noel, de preferência.

O garçom que pintar na área também deve me levar para a mesa certa. Sendo um garçom de respeito, como sei que será, saberá o que fazer. Sendo a primeira vez no buteco, uma mesa distante, com uma única cadeira, encostada na parede e de frente para o ventilador é suficiente. Nem tão perto, nem tão longe do banheiro. Coisa simples. Até porque a última coisa que quero é ser reconhecido por algum sujeito que insista em sentar à mesa para me dar as boas vindas.

Meu garçom deve vir com a presteza e a memória do Valdenir, que me conheceu ainda pelas bandas da Con Xin China e se apresentou já no Cais 43, dois ou três anos mais tarde. Um garçom que me dê a liberdade de reclamar da conta que veio alta demais e, da próxima vez que eu voltar, tenha a delicadeza - que só os grandes seres humanos têm - de reconhecer o erro e dizer que, realmente, eu e Ana tomamos 38 e não 39 chopes naquela tarde única.

Mas o meu garçom também virá – e eu sei que virá – com a pureza da Dinda, garçonete do buteco da Tia Deja, no Mercado de Petrópolis, que depois de uma tarde de samba dessas que lavam a alma, ainda pagou do próprio bolso três saideiras pelo prato de paçoca que veio a mais na conta que a proprietária do estabelecimento fez questão de cobrar.

Imprescindível também é que meu garçom se chame Naldo. Disso eu não abro mão. Naldo como o garçom que conheci esse fim de semana na praia de Pipa. Uma figura que desafia a natureza quando atravessa um pedaço do mar com água no peito para levar e trazer, do bar até a areia, os pedidos dos turistas.

Meu garçom, mesmo cansado e assado pelo contato da água salgada com a virilha, deve resistir como o Naldo de Pipa resiste até chegar em casa, momento em que senta no sofá e, como o ser humano único que é, olha para mulher e pede uma cerveja gelada antes de apagar na poltrona ignorando, inclusive, o boa noite do Willian Bonner.

No dia em que meu copo secar de vez, quero ser recebido por um desses garçons de verdade. Desses que a gente encontra no meio da rua. E quando o portão de ferro baixar de vez e meu garçom já não tiver mais nenhum cliente para atender, eu possa dizer feliz da vida:

- Agora é por minha conta.


4 comentários:

Sérgio Vilar disse...

Que o garçom possa durmir "todo assado" e que não seja pelo fogo do inferno, mas pelas águas salobras do paraíso de Pipa!.rs

Ana Paula Costa disse...

Só faltou a cadeira pra mim!

Armando Miranda disse...

Meu garçom também pode ser o Érick, que em tempos idos, no bar onde ele trabalhava, a cada três chopps por mim consumidos apenas dois iam pra conta!!!

MgP disse...

Com a licença de Ana Paula, "linkei" (ô nome feio!) o seu garçom pruma receita de fim de ano, Rafael. Não resisti. É uma beleza.
abraço,

Márcia