Escrevi esse texto há mais de um ano, na primeira vez em que estive no buteco. Ontem, mais ou menos a essa hora, o jornalista Alexis Peixoto informou, pelo twitter, que a Cantina do Edinaldo que conheci antes de virar Bistrô vai cerrar para sempre o portão de ferro. Ainda assim, como registro histórico, acho que vale a lembrança. Abaixo, com o título original.
O CALDO DE OVA E AS HISTÓRIAS DA DONA VERA
Uma amiga já havia cantado a pedra sobre a jóia que era o caldo de ova da cantina do Ednaldo, em Petrópolis. O desejo, guardado por vários dias, era grande. Particularmente para mim seriam duas descobertas: a do boteco e a do próprio tira-gosto. Enfim, saiu. Segunda-feira, final de mais um expediente pesado no jornal, lá fomos atrás do famoso caldinho.
Coisa de 22h. À noite, Petrópolis é um bairro tímido e silencioso. Segunda-feira, então, nem se fala. De esquina, o portão de ferro que dava para a avenida Afonso Pena já estava arriado. Na lateral, duas senhoras com mais de 60 anos ainda empilhavam mesas e cadeiras na tentativa de passar a régua em mais um dia de trabalho.
- Ainda sai um caldinho?
Sai, minha filha. Do que você quer?
- De ova...
Pedido atendido com aquela boa vontade que só quem comanda um botequim de verdade há 35 anos, como a dona Vera Lúcia, tem.
E assim que a primeira Antarctica desceu gelada na garganta, os problemas foram se esvaindo aos poucos em cada gole bem tomado e temperado pelo limãozinho despejado no caldinho de ouro da casa.
Dentro do botequim, a prateleira de madeira velha com poucas garrafas mais vazias que cheias, um tradicional balcão pequeno rachado e as fotografias nas paredes de clientes antigos lembravam que, além de boteco, a cantina do Ednaldo é um ambiente de família.
Mas ainda faltavam as histórias. E em questão de minutos, um cardápio de causos foi servido à mesa pela proprietária do estabelecimento que puxou a cadeira amarela e se empolgou a contar a vida. Dona Vera Lúcia falou dos fregueses mais chatos, de um seresteiro que baixa sempre por ali, da polêmica Nélia, que enche a cara toda vez que vai ao botequim e sai provocando tudo quanto é cliente, lembrou do marido, que se formou advogado com mais de 40 anos e morreu de forma trágica no carnaval de 1984 quando um ônibus atropelou músicos e foliões do bloco ‘Puxa-Saco’ na descida da avenida Rio Branco. E depois de tudo isso, ainda deixou o melhor para o final.
Com a autoridade de mais de 35 anos no ramo, embora o bar no início tenha funcionado como depósito de pão, dona Vera revelou que já recebeu várias propostas de empresários para vender o estabelecimento e negou todas. Contou que ainda fará mais uma reforma nos banheiros e decidiu que vai deixar o ponto, como herança, para os filhos.
Um patrimônio de verdade, digno da instituição chamada botequim.
Vida longa à cantina do Ednaldo!
Até!
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