terça-feira, 13 de setembro de 2011

Do tempo em que um Bistrô era apenas uma Cantina

Escrevi esse texto há mais de um ano, na primeira vez em que estive no buteco. Ontem, mais ou menos a essa hora, o jornalista Alexis Peixoto informou, pelo twitter, que a Cantina do Edinaldo que conheci antes de virar Bistrô vai cerrar para sempre o portão de ferro. Ainda assim, como registro histórico, acho que vale a lembrança. Abaixo, com o título original.

O CALDO DE OVA E AS HISTÓRIAS DA DONA VERA

Uma amiga já havia cantado a pedra sobre a jóia que era o caldo de ova da cantina do Ednaldo, em Petrópolis. O desejo, guardado por vários dias, era grande. Particularmente para mim seriam duas descobertas: a do boteco e a do próprio tira-gosto. Enfim, saiu. Segunda-feira, final de mais um expediente pesado no jornal, lá fomos atrás do famoso caldinho.

Coisa de 22h. À noite, Petrópolis é um bairro tímido e silencioso. Segunda-feira, então, nem se fala. De esquina, o portão de ferro que dava para a avenida Afonso Pena já estava arriado. Na lateral, duas senhoras com mais de 60 anos ainda empilhavam mesas e cadeiras na tentativa de passar a régua em mais um dia de trabalho.

- Ainda sai um caldinho?

Sai, minha filha. Do que você quer?

- De ova...

Pedido atendido com aquela boa vontade que só quem comanda um botequim de verdade há 35 anos, como a dona Vera Lúcia, tem.

E assim que a primeira Antarctica desceu gelada na garganta, os problemas foram se esvaindo aos poucos em cada gole bem tomado e temperado pelo limãozinho despejado no caldinho de ouro da casa.

Dentro do botequim, a prateleira de madeira velha com poucas garrafas mais vazias que cheias, um tradicional balcão pequeno rachado e as fotografias nas paredes de clientes antigos lembravam que, além de boteco, a cantina do Ednaldo é um ambiente de família.

Mas ainda faltavam as histórias. E em questão de minutos, um cardápio de causos foi servido à mesa pela proprietária do estabelecimento que puxou a cadeira amarela e se empolgou a contar a vida. Dona Vera Lúcia falou dos fregueses mais chatos, de um seresteiro que baixa sempre por ali, da polêmica Nélia, que enche a cara toda vez que vai ao botequim e sai provocando tudo quanto é cliente, lembrou do marido, que se formou advogado com mais de 40 anos e morreu de forma trágica no carnaval de 1984 quando um ônibus atropelou músicos e foliões do bloco ‘Puxa-Saco’ na descida da avenida Rio Branco. E depois de tudo isso, ainda deixou o melhor para o final.

Com a autoridade de mais de 35 anos no ramo, embora o bar no início tenha funcionado como depósito de pão, dona Vera revelou que já recebeu várias propostas de empresários para vender o estabelecimento e negou todas. Contou que ainda fará mais uma reforma nos banheiros e decidiu que vai deixar o ponto, como herança, para os filhos.

Um patrimônio de verdade, digno da instituição chamada botequim.

Vida longa à cantina do Ednaldo!

Até!

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